Como nasce um episódio do 37 Graus

Como nasce um episódio do 37 Graus

Da ideia de pauta até a finalização do áudio

O 37 Graus é um podcast em que eu e a Bia Guimarães buscamos decifrar o mundo à nossa volta. Também costumamos falar que contamos histórias com um pé na ciência. Da ideia de pauta até a finalização do áudio, a produção do programa passa por várias etapas. Compartilhamos neste post um pouco dos nossos processos de trabalho para ajudar quem está começando a fazer um podcast narrativo e também para dar um gostinho do que acontece nos bastidores.

A definição da pauta

Muitas das ideias por trás das nossas histórias surgem quando ficamos encafifadas com alguma pergunta. Por exemplo, as perguntas “o que será que aconteceu com o vírus da zika?” e “o que acontece depois que uma epidemia sai das manchetes e ninguém mais fala dela?” deram origem à nossa terceira temporada, Epidemia, em parceria com a Folha de S.Paulo. Outras vezes, esbarramos num pedacinho de uma história e, ao investigarmos um pouco mais, nos surpreendemos. Foi assim que surgiu o episódio A ópera de Tonico, sobre a verdade e a ficção por trás de um nome espalhado por todos os cantos da nossa cidade, Campinas (SP). Mas como saber se uma ideia realmente tem futuro?

Cada episódio leva semanas ou meses para ficar pronto e pode precisar de um investimento considerável de tempo e recursos. A última coisa que a gente quer é chegar no fim do processo e descobrir que a ideia não rendeu. Ou descobrir que, na verdade, não havia um bom fio narrativo por trás daquele tema que nos fisgou. A pergunta é simples: tenho uma história ou apenas um assunto?

Por isso, passar um bom filtro na hora de escolher as pautas é um dos pontos mais essenciais da nossa cadeia de produção. Aqui, mais do que escolher um tópico, nós nos perguntamos se a história que imaginamos de fato sustenta um bom episódio e é capaz de carregar o ouvinte pelos 30-50 minutos do programa. Além de uma pesquisa preliminar, buscamos entender se a história tem conflitos, transformações e camadas interessantes, quem são os personagens, e se temos um ângulo diferente do que já foi tratado em outros veículos, algo que possa surpreender o público. Dependendo da pauta, cada um desses elementos pode ter um peso maior ou menor.

Nesse ponto, vale a pena expor a ideia para o restante da equipe, ou mesmo para amigos e familiares. Conversando com outras pessoas, você vai entender melhor o que é interessante e o que não é, e testar se a história que você imaginou realmente passa no crivo. No nosso caso, costumamos gravar as conversas em que apresentamos as ideias uma para a outra. Assim podemos usar esses diálogos e as nossas reações espontâneas no episódio.

Encontrando os personagens

Agora, com a pauta definida, é hora de mergulhar na pesquisa e encontrar os entrevistados que vão te ajudar a contar a história. No jornalismo, as fontes costumam ser divididas entre personagens (quem viveu a situação) e especialistas (quem explica a situação). No 37 Graus, muitas vezes o especialista é também o personagem. Outras vezes, nós mesmas somos as peças-chave, e o arco narrativo se desenvolve conforme deciframos um mistério ou perseguimos uma pergunta. Também costumamos lidar com personagens que não são pessoas, como neste episódio sobre a busca pela imortalidade, em que uma das protagonistas é uma planária.

Mas vamos supor que estamos trabalhando com um personagem humano (e vivo). Qual o papel dele na história? Primário ou secundário? Se a história desse entrevistado é central no episódio, essa pessoa precisa ter algo de inesperado ou interessante para contar. Existe um conflito nesse relato? Alguma transformação? Algo que irá surpreender o ouvinte? Evitamos colocar no centro da narrativa personagens/especialistas com histórias que soam genéricas, que não são suficientes para carregar um episódio inteiro (ex: qualquer pessoa que mora no bairro X, ou que viva com a doença Y, ou que estude o assunto Z).

Além disso, principalmente quando entrevistamos cientistas, tentamos entender se a pessoa consegue falar de um jeito interessante. O que geralmente significa sair do “modo aula” e de fato ter interações espontâneas, reviver cenas e revelar emoções na voz. Para identificar tudo isso, às vezes é necessário fazer uma breve pré-entrevista.

Também temos que pensar no áudio. Como vamos entrevistar essa pessoa? Se for pessoalmente, precisamos decidir onde vai ser a gravação e se existe a possibilidade de acompanhá-la durante alguma atividade que seja relevante para a história. Ultimamente, o mais comum tem sido entrevistar pela internet ou telefone. Nesse caso, avaliamos a melhor maneira de fazer uma boa captação. A pessoa tem pelo menos um fone de celular? Se ela não tiver o conhecimento técnico para fazer a chamada, alguém por perto pode ajudar? Se só estamos buscando uma ou duas falas de um especialista, talvez possamos nos contentar com um áudio de má qualidade, mas se o nosso personagem principal não for bem gravado, teremos problemas na fase de roteiro e edição.

Na hora da entrevista, chegamos preparadas, mas sem um roteiro rígido. Geralmente já fizemos nossa pesquisa e temos uma lista de perguntas ou tópicos que queremos cobrir, mas não hesitamos em sair do script se algo mais interessante aparecer na conversa. Pelo contrário, queremos que algo surpreendente apareça e nos obrigue a sair do roteiro inicial.

O tom das perguntas ditará o tom das respostas. Então, se você quer respostas soltinhas e sem jargões, faça perguntas soltinhas e sem jargões. Quando encontrar uma cena interessante, cavoque, estimule detalhes. Se a resposta não foi formulada de um jeito interessante, pergunte de novo usando outras palavras. Aprofunde nas sensações, na motivação do personagem (por que tomou a decisão x), nos detalhes físicos do lugar, na ordem dos eventos. Seja específico e pense com cabeça de editor: “o que vou usar desse áudio? Que outros elementos preciso para construir essa cena?”.

Em 2019, fomos à floresta da Tijuca para gravar parte do episódio Rastros na Floresta. Na foto, Bia Guimarães entrevista o geógrafo Alexandro Solórzano.

O mapa da história

Quando temos uma direção para a pauta, já fizemos alguma pesquisa e talvez até as primeiras entrevistas, é hora de começar a pensar no mapa da história. Eu gosto de fazer isso no papel: escrevo cada um dos elementos da história em um post it e começo a testar caminhos para a narrativa, mudando os post its de lugar e imaginando qual seria a sequência mais interessante. Dá até para usar diferentes cores de post its para diferentes “ingredientes”, como cenas, dados, pontes de roteiro.

O apoio visual me ajuda a entender o todo e a decidir o que entra, o que sai, o que é realmente essencial. E também ajuda a pensar em um fio que siga uma ordem lógica, mas ao mesmo tempo surpreendente para o ouvinte. Também uso o mapa para balancear a densidade da história e a distribuição das informações. Tem pontos excessivamente densos? A narrativa está equilibrada? Onde posso introduzir cada personagem?

Se possível, tento apresentar o mapa para alguém que não conhece a história para ver se tudo está fazendo sentido ou se tem buracos que precisam ser preenchidos. O mapa pode ir mudando conforme você coleta mais material ou descobre algo novo sobre a sua pauta.

Com o mapa pronto e as entrevistas gravadas, já temos um guia para começar a escrever o roteiro.

Esse é foi o mapa que guiou o episódio Criaturas, da série Epidemia. Nessa foto, ele já havia sido revisado após as gravações de entrevistas e cenas, mas ainda passaria por várias modificações na hora da escrita do roteiro.

Roteiro e montagem

A escrita do roteiro costuma ser a parte mais desafiadora do processo. O roteiro consolida o mapa da história e materializa o caminho que você imaginou. Ele faz a costura entre as entrevistas, os áudios de campo, as narrações e a música, e engloba as decisões que vão definir a cara do seu episódio. Então gostamos de entrar no processo da escrita depois de já termos escutado todo o material de coletamos e selecionado as melhores partes (já deixamos tudo separadinho no software de edição).

Escrever para o áudio é escrever para falar, o que é diferente de escrever para ler. E um bom roteiro já é metade de uma boa narração. Muitas vezes eu testo frases em voz alta e só depois escrevo a versão que soou melhor na voz. Outra coisa é que, no 37 Graus, tentamos respeitar nossa individualidade e o modo de falar de cada uma de nós. Por isso sou eu que escrevo ou pelo menos adapto as minhas próprias falas, e a Bia faz o mesmo com as dela.

Para não ficar no abstrato, gostamos de testar o roteiro durante e depois da sua formulação. Isso significa ir gravando a narração (hoje em dia, gravamos em casa, em nossos pequenos estúdios) e ir montando e ouvindo os pedaços quase que durante a escrita, especialmente as cenas de maior destaque. Por isso, no nosso caso, a escrita e a montagem são processos inseparáveis.

Construir uma versão bruta e preliminar do episódio nos ajuda a entender o que está ficando bom no áudio e o que precisa mudar. Com esse arquivo, também já podemos dar as instruções necessárias para o nosso músico, que cria trilhas específicas para certas partes e cenas dos episódios. Fica muito mais fácil explicar o clima e o desenvolvimento da música que queremos quando já temos o trecho montado para mostrar.

Edição de som e ajustes

É na edição de som que o episódio de fato ganha sua forma final. Nessa etapa passamos o pente fino e fazemos o tratamento de cada camada de áudio. É um processo artesanal em que tudo deve ser milimetricamente posicionado para que no fim a gente chegue no efeito desejado. Isso vai desde o ajuste de volumes, atenuações de transições, entrada e saída de áudios de campo e de arquivo, paisagens sonoras, efeitos especiais, músicas e até os silêncios e espaços entre as falas. Nesse processo, o mais importante é escutar tudo com atenção, de novo e de novo, usando fones de monitoramento.

Depois de exportar o episódio completo e já editado, gosto de escutá-lo da maneira que eu escutaria um podcast qualquer, por exemplo, usando um fone de ouvido simples plugado no celular enquanto caminho, ou no alto-falante do carro. Assim fico sujeita às mesmas distrações que o ouvinte provavelmente terá. Além disso, envio o arquivo para alguém que não tenha passado as últimas 48h grudada da edição. No nosso caso, eu mando meus episódios para a Bia e vice-versa. Nessa fase, sempre achamos pequenos ajustes para fazer antes da publicação final (geralmente, dar mais espaços entre as falas!).

Ufa! Chegamos na versão final. Infelizmente, alguém vai ter que ouvir o áudio (que já está no finalfinalmesmo.mp3) pela milésima vez para ter certeza que nada saiu do lugar.