Uma comparação de plataformas para gravar entrevistas pela internet

Uma comparação de plataformas para gravar entrevistas pela internet

Testamos Zoom, Discord, Zencastr, Riverside.fm e SquadCast

A pandemia está fazendo um ano no Brasil, e também está fazendo um ano que eu e a Bia Guimarães – que produz o podcast 37 Graus comigo – paramos de gravar entrevistas presencialmente. Esse é o caso de boa parte dos produtores de áudio.

Gravar entrevistas online apresenta uma série de desafios. Não estamos junto com a pessoa para controlar o ambiente dela (fechar as janelas da casa, desligar o ventilador) e não temos aquele olho no olho que ajuda a criar uma conexão com esse entrevistado. Além disso, perdemos a chance de capturar características que compõem o personagem, como as roupas, a decoração da casa, o jeito como move as mãos. Por outro lado, como gravamos em faixas separadas e em lugares separados, não precisamos segurar o riso nas partes engraçadas da entrevista e ficamos livres para soltar aqueles “ahãs” estratégicos ou até interromper a pessoa, se necessário, sem medo de atrapalhar a gravação. 

Mas, sem dúvida, o maior problema é a nossa falta de controle sobre a qualidade do áudio. Sempre pedimos para o entrevistado usar um fone de ouvido com microfone, se tiver. Mas, mesmo assim, o áudio gravado pela internet muitas vezes não fica legal. Soa quebrado ou super processado, o que dificulta a edição, especialmente quando queremos criar costuras naturais entre a nossa narração e os áudios das entrevistas, e faz com que a gente acabe usando menos do material coletado no episódio. 

Na nossa temporada mais recente, inteiramente produzida durante a pandemia, gravamos a maior parte das conversas pelo Zoom, em faixas separadas. Quando possível, também pedindo para o entrevistado deixar o celular sobre a mesa gravando seu próprio áudio. Frequentemente, a qualidade do áudio do celular ficava melhor, mais natural, principalmente se o ambiente da pessoa fosse bem silencioso e com pouco eco.

Mas eu não estava satisfeita com a qualidade dessas gravações, então resolvi explorar outras possibilidades. Particularmente, plataformas que gravam o áudio localmente, como Zencastr, Riverside.fm e SquadCast. Gravar localmente significa que a gravação acontece no computador de cada um, e não pela internet. A vantagem disso é que o áudio é gravado antes de ser transmitido pela web, então ele não perde qualidade no envio e soa menos processado. Além disso, você não escuta nenhum defeito causado por oscilações na conexão. Para cada pessoa, o áudio é gravado em um arquivo separado. 

Então, eu convidei a Bia para fazer um teste de algumas dessas plataformas comigo. Nós entramos em cada uma delas e gravamos o mesmo texto para efeito de comparação do áudio. Também gravamos o áudio dos nossos microfones direto no computador para comparar, e até colocamos o celular com o gravador sobre a mesa.

Vale lembrar que usamos equipamentos profissionais em ambiente controlado (mais detalhes abaixo). As gravações feitas pelas plataformas não teriam ficado com a mesma qualidade se estivéssemos usando um foninho de celular, por exemplo. Mas a ideia era ver as similaridades e diferenças de cada plataforma, incluindo os recursos oferecidos por elas. 

Também tenho que frisar que fizemos o teste no final de fevereiro de 2021. Os recursos, preços e pacotes disponíveis estão sujeitos a mudanças. Também sabemos que cada uma dessas plataformas possui outras funcionalidades (vídeo, uso para livestreams, webinars etc.) que não avaliamos. Nos atemos ao que importa para a gravação de entrevistas em áudio.

Sem mais, vamos à comparação.

Como foram feitas as gravações

Nós gravamos o seguinte texto:

Bia: Cochicho é um pequeno pássaro sul-americano que constrói grandes ninhos de gravetos. Também é o ato de falar baixinho com alguém, de soprar um segredo ao pé do ouvido. 

Sarah: Queremos fazer as duas coisas: montar um ninho para abrigar quem está chegando e trocar cochichos, até eles deixarem de ser segredos.

Eu e a Bia usamos os mesmos equipamentos durante o teste: microfone Shure SM7b conectado à interface de áudio Scarlett 2i2 (usamos um Fethead no Shure, um preamplificador portátil que aumenta a sensibilidade do microfone). Também estávamos em salas tratadas para redução de barulho e reverberação. Para o teste, não aplicamos nenhum tratamento de voz nos áudios, apenas nivelamos os volumes (em alguns momentos, dá para ouvir um pouco do ruído das ventoinhas dos nossos computadores nas gravações). 

Todos os áudios do teste foram gravados em faixas separadas, na melhor qualidade possível. Mas, para facilitar a comparação aqui no site, os exemplos abaixo estão com as duas faixas mixadas (sem sobreposição entre o meu áudio e o da Bia) e foram exportados em MP3 de alta qualidade (320 Kbps). 

Gravação manual de cada lado da chamada

Neste método, as duas pessoas têm que configurar e iniciar a gravação manualmente. O áudio é gravado direto na fonte e não é transmitido pela internet.

Gravação dos microfones direto no Adobe Audition

Independentemente da plataforma que usamos para a entrevista, nós costumamos gravar nosso áudio direto no computador, pelo software Adobe Audition.

Sem nenhum processamento.

Como algumas das plataformas parecem aplicar algum tipo de cancelamento de barulho automático, também fiz uma versão da nossa gravação local aplicando um leve filtro de barulho (iZotope Voice De-noise).

Uma leve passada do filtro iZotope Voice-denoise atenua os sons de fundo.

Gravador do celular

Para comparação, o áudio gravado no celular deixado sobre a mesa ficou assim. Para referência, eu e a Bia temos iPhones de modelo antigo. Usamos o app nativo ‘Gravador de voz’. 

Fizemos essa opção para comparar a qualidade com as plataformas, pois, como disse antes, é algo que frequentemente pedimos para os nossos entrevistados.

Áudio do celular sem pós-processamento. Dá para ouvir bastante o som da sala e a voz fica com mais reverberação.

Gravação pela internet

ZOOM

O Zoom é uma plataforma de videoconferência que oferece a possibilidade de gravar o áudio de cada pessoa em faixas separadas, diferentemente do Skype, por exemplo. Existe uma versão em português e muita gente já tem o software e sabe usar, o que facilita na hora de passar as instruções para a entrevista. Também é possível fazer a entrevista pelo app no celular (o que permite entrevistar pessoas que não têm computador) e abrir um link da chamada direto no navegador (mas essa opção não fica super óbvia para quem não tem o software baixado, eu não recomendaria nesse caso).

A gravação é feita pela internet, e não localmente. Assim, o áudio soa um tanto processado e não é capturado em alta qualidade. A gravação também está sujeita a defeitos causados pela oscilação da conexão. Por outro lado, a chance de perder a gravação caso alguém caia da chamada é baixa, porque o Zoom faz a gravação em tempo real, direto no seu computador.

No Zoom, você precisa selecionar a opção “gravar um arquivo de áudio separado para cada participante” para gravar a entrevista em faixas distintas. Essa opção só funciona na “gravação local”; a gravação na nuvem grava a conversa numa faixa só.

Atualmente, a versão gratuita tem tempo de chamada ilimitado para dois participantes. Se a conversa tiver três ou mais pessoas, há um limite de 40 minutos. Para usar a versão pro, a licença anual custa a partir de US$ 149,90.

Zoom: o áudio soa um pouco mais processado e dá para notar alguns defeitinhos de oscilação da conexão na primeira parte.

Bia conta como como foi entrar para gravar: Foi tranquilo porque eu já conheço o Zoom, tenho o app baixado e uso bastante.

DISCORD

Discord: achei a qualidade da voz melhor do que a do Zoom, mas o filtro de barulho automático é agressivo e o comecinho da palavra ‘queremos’ ficou cortado. Aliás, durante a conversa já dava para ouvir o corte no começo das falas.

As salas de áudio do Discord podem ser usadas para gravar conversas. Para isso, é necessário que o anfitrião configure o seu servidor e instale o Craig, um bot que grava canais de voz em multi-track. O Craig grava pela internet, como o Zoom. Mas os criadores do bot também estão desenvolvendo uma plataforma (em beta, por enquanto) para gravação local.

O Discord é grátuito, tem um aplicativo para celular e compatibilidade com múltiplos navegadores, além de contar com uma versão em português (é necessário trocar o idioma nas configurações).

A primeira vez que usei a plataforma foi durante o teste, e demorei um tempinho para me entender com ela e aprender como usar o Craig. No geral, não achei o Discord amigável para fazer entrevistas com pessoas que não estão familiarizadas com o seu funcionamento. As outras opções apresentadas aqui são mais intuitivas e fáceis de acessar.

Bia conta como como foi entrar para gravar: É a plataforma mais poluída do grupo. Depois que cliquei no link de convite, ele deu uma travadinha para entrar. Quando finalmente entrou, fiquei bem perdida lá dentro.

Plataformas web que gravam o áudio localmente

ZENCASTR

O Zencastr tem sido muito utilizado para gravar entrevistas remotas para podcasts (também tem opcão para gravar vídeos, em beta). Eu já conhecia, mas fazia tempo que não entrava. A interface é limpa e simples de acessar, e você pode conversar com a câmera ligada. Você abre uma sala e manda o link para a pessoa que vai entrevistar.

O Zencastr precisa ser utilizado pelo navegador do computador, e é recomendado que se use o Google Chrome (segundo a plataforma, o Brave e Edge também são suportados). O site é em inglês.

Uma grande vantagem é que o Zencastr possui uma versão gratuita, que oferece a gravação dos áudios em formato comprimido (MP3 128 Kbps). Durante a pandemia, foram levantadas as restrições de tempo de gravação e número de pessoas na chamada.

Zencastr versão gratuita

Zencastr Grátis: a gravação local do áudio em MP3 ficou com boa qualidade. Dá para perceber que o Zencastr aplica um filtro de redução de ruído automático, mas ele não parece ter prejudicado as nossas vozes.

Zencastr versão pro

Atualmente, o plano mensal custa US$ 20, com gravações ilimitadas em WAV. É possível fazer um teste grátis sem ter que colocar o cartão de crédito.

Zencastr Pro: eu consegui perceber uma leve melhora de qualidade na gravação feita em WAV. Mas acredito que para muitas aplicações, a versão em MP3 já seria suficiente.

Como eu disse, a versão gratuita não oferece o áudio em WAV ou outro formato não comprimido, mas seria possível gravar o meu próprio microfone direto no computador durante a entrevista.

Bia conta como como foi entrar para gravar: Foi fácil porque a plataforma é bem limpa: você entra no link de convite, aparece só uma tela de permissão e depois você não precisa fazer mais nada, já está na chamada. Só tive que trocar de navegador para conseguir abrir o link (Safari é meu navegador padrão).

SQUADCAST

Squadcast: gostei da qualidade de gravação em WAV. Me parece que há atuação de um leve filtro de barulho, mas foi mínima e não afetou a voz. Gravamos sem o cancelamento de eco, já que usamos fones de ouvido.

O Squadcast é uma plataforma paga que também grava áudio (e vídeo) localmente, em alta qualidade. Atualmente, o plano mensal (de áudio) que oferece 5 horas/mês custa US$ 20 e o que oferece 12 horas/mês está US$ 50. Os planos para gravação de vídeo são mais caros. As horas não utilizadas se acumulam para o mês seguinte. Dá para fazer uma avaliação gratuita de uma semana (tem que colocar o cartão de crédito).

Para usar, você também abre uma sala e envia o link para o entrevistado, que não precisa baixar nada. Entre as opções testadas, o Squadcast é a plataforma de gravação local com mais navegadores suportados: funciona no Chrome, Firefox, Opera, Brave e Edge. Supostamente também funciona se o link for acessado pelo celular, mas não testamos esse recurso. Para chegar na sala, o entrevistado passa por algumas telas com instruções em inglês. É só clicar num botão para continuar.

O Squadcast permite que você monitore a qualidade da conexão da internet e o microfone selecionado para cada pessoa na sala (pode ser útil caso o seu entrevistado não saiba verificar as configurações de entrada e saída de áudio). Você também pode conversar com vídeo ligado.

Bia conta como como foi entrar para gravar: Eu não conhecia a plataforma, mas, de novo, foi fácil de navegar porque ela é bem limpa e simples. As três telas pelas quais você tem que passar antes de cair na chamada são bem intuitivas. Teve de novo a coisa do navegador (Safari é meu navegador padrão), mas em segundos você troca e resolve.

RIVERSIDE.FM

Riverside.fm: o áudio ficou com uma leve distorção no fundo que lembra um sopro ou pop de microfone, o que é estranho, pois isso não aparece nas outras gravações (e não mudamos nada na posição dos microfones ou no ambiente ao longo dos testes). A plataforma parece não aplicar nenhum cancelamento de ruído automático.

O Riverside.fm também é uma plataforma paga que oferece gravação local de áudio e vídeo. Ele só funciona pelo computador, no Google Chrome. Você abre uma sala e manda um link para o entrevistado.

O plano standard mensal está US$ 19 e oferece 5 horas de gravação por mês. O plano pro oferece 15 horas e está US$ 29/mês. Ele não acumula as horas não utilizadas. É possível fazer um teste grátis de até uma hora de gravação sem ter que colocar o cartão de crédito. O site é em inglês.

Na sala de gravação, o produtor consegue ver qual microfone está selecionado do lado do entrevistado e fazer um ajuste de volume se necessário.

Bia conta como como foi entrar para gravar: Também não conhecia, mas foi bem tranquilo. Achei o mais chiquezinho, com cara de estúdio. Também só tive que trocar de navegador e passar por duas telas de checagem de microfone, fone de ouvido e câmera.

Teste de cair da chamada

Eu sempre me preocupo com o que pode acontecer com o áudio da entrevista no caso de algum imprevisto. Por exemplo, se a conexão do entrevistado (ou a minha) cair durante a conversa ou se alguém acidentalmente fechar a janela da gravação. Por isso, fiz um teste de “cair da chamada” com a Bia nas três plataformas web de gravação local. Basicamente, pedi para que a Bia fechasse a janela no meio da conversa, sem que eu parasse a gravação.

Zencastr: depois que a Bia caiu, só consegui recuperar o meu próprio áudio. Existe uma opção ‘recover backup’, mas ela não funcionou. Para que o áudio dela fosse disponibilizado, eu tive que deixar a sala aberta e ela teve que voltar para o mesmo link. Quando isso aconteceu, rapidamente a plataforma terminou o upload do áudio. Mas, se ela não conseguisse voltar por algum motivo, eu poderia perder o áudio da entrevista. O Zencastr diz que, para que a recuperação do áudio local funcione, a pessoa tem que estar no mesmo navegador, não pode ter limpado o cache e cookies e não pode estar no modo icognito.

Squadcast: teve a melhor performance nesse quesito. O Squadcast foi eficiente no upload continuo dos áudios, e mesmo a Bia caindo, eu consegui recuperar 100% da gravação local dela (apenas tive que clicar na opção re-render audio). Mesmo se algo impedisse que eu recuperasse a gravação local, é possível requisitar uma cópia da gravação backup pela internet (que não fica tão boa quanto a local, mas evita a perda total da entrevista).

Riverside.fm: também faz uma gravação backup pela internet. E depois que a Bia caiu, eu consegui recuperar essa cópia em menor qualidade (em uma faixa só). Para recuperar a gravação local, eu mandei para ela um link de recuperação da plataforma (não precisei manter a sala aberta). Quando ela entrou no link, rapidamente o upload terminou e eu consegui acessar a gravação.

Backup web (em menor qualidade) recuperado no Riverside.fm.

Uma opção para garantir um backup da conversa é também gravá-la em tempo real no seu próprio computador. Para os usuários de Mac há opções de software como o Audio Hijack (que custa US$ 59, mas é simples de configurar e útil para capturar e rotear áudio de qualquer fonte no computador) ou uma extensão como o Soundflower (que é grátis, mas é mais complicada e exige um certo aprendizado para configurar). Minha breve pesquisa indica que existem algumas opções nesse sentido para quem usa Windows, mas não testei.

Minha opinião

Depois de testar todas essas plataformas, fiquei convencida de que, quando possível, compensa usar uma plataforma que grava o áudio localmente. Vamos às minhas favoritas:

Opção gratuita: gostei do Zencastr, e acho que o plano gratuito já seria muito superior à qualidade das entrevistas que estávamos fazendo com o Zoom. Mas eu não gosto de arriscar perder áudios. Então, eu faria as entrevistas pelo Zencastr gravando também um backup no meu computador, pelos métodos que citei acima.

Opção paga: o Squadcast também me agradou pela flexibilidade de funcionar em mais tipos de navegadores, boa qualidade do áudio e pelo fato de já embutir um bom sistema de backup. Mas a mensalidade é a mais cara dos três, e pode ser inviável para muitos produtores.

De qualquer forma, acho que não devemos aposentar totalmente o Zoom, o celular gravando sobre a mesa ou até a velha gravação pelo telefone quando necessário. Por mais que eu me preocupe com a qualidade do áudio, às vezes, a melhor opção é aquela que é possível e acessível para quem a gente entrevista.