O mínimo que você precisa saber sobre captação externa

O mínimo que você precisa saber sobre captação externa

Prepare-se para sair de casa (um dia)

Captação externa é uma delícia. Não conheço quem não goste. Apontar o microfone para o mundo e ouvir cada som chegando pelos fones é uma das melhores partes de gravar um podcast. Mas toda aventura vem com alguns perrengues. Então aqui vão algumas dicas para você contornar os desafios mais comuns.

A escolha do equipamento

Fazer uma boa captação começa antes de por os pés na rua. Na hora de escolher quais equipamentos colocar na mochila, é importante pensar nos ambientes e situações que você deve encontrar na gravação. Em muitos casos, vale usar o kit clássico para captações externas: um microfone shotgun (falamos mais sobre microfones aqui) acoplado a um gravador com entrada XLR e um bom fone supra-auricular, além de um tripé ou uma pistola estabilizadora, que evitam trancos e barulhinhos de manuseio.

Esse kit portátil permite que você grave cenas em movimento, usando o shotgun para focar na voz do entrevistado ou em sons particulares do ambiente. Ao mesmo tempo, dá para captar o ambiente de maneira mais ampla, em estéreo, aproveitando os microfones “nativos” do gravador, que dão uma sensação de paisagem em 360°.

Mas não há equipamento que seja ideal para todo e qualquer tipo situação. Dependendo do caso, pode ser que um pequeno microfone de lapela seja a melhor opção, ou até o próprio celular. Por exemplo, se você não quiser ser notado ou for gravar num local perigoso, um microfone grande (como o shotgun) pode atrair o tipo errado de atenção. E se você quiser se documentar enquanto corre uma maratona, dificilmente vai querer ter um gravador pendurado no ombro.

Em março deste ano, foi ao ar Em busca de Rubem Fonseca, um episódio especial narrativo do 451 MHz, podcast da revista de crítica de livros Quatro Cinco Um. Em meio a causos da vida de Fonseca, trechos de suas obras lidos por Marcos Palmeira e reflexões sobre seu legado, o episódio mescla depoimentos de pessoas que circulam por um dos cenários preferidos do escritor: as ruas do centro do Rio de Janeiro.

“Foram várias saídas para tentar captar essas conversas com as pessoas na rua”, relata Claudia Holanda, jornalista e editora de podcasts na produtora Rádio Novelo, onde o 451 MHz toma forma. “O ideal para conseguir um som maravilhoso seria ter ido com um boom [outro nome para microfone shotgun], mas aquilo não era funcional para captar o que eu queria captar. Eu não poderia estar com equipamentos que assustassem as pessoas.”

Para evitar perturbar a naturalidade do ambiente, Claudia optou por levar só o gravador portátil Tascam DR-40 e um fone supra-auricular, que ajudou a sinalizar que ela estava trabalhando com áudio. “Eu chegava e ficava ali, até se acostumarem comigo.” Depois de passar cerca de 10 ou 20 minutos no local, gravando os sons do ambiente, ela sentia as pessoas mais à vontade para conversar. “Alguns até tomavam a iniciativa de se aproximar”, conta. Com a captação aberta, as vozes se misturam ao burburinho da rua, às buzinas e aos anúncios de suco natural.

Claudia Holanda gravando nas ruas do Rio de Janeiro

Prepare-se para imprevistos

Quando gravamos em campo, nem tudo sai como o planejado. É aí que entra uma outra camada de preparação. Eu, quando saio para gravar episódios do 37 Graus, gosto de guardar os equipamentos dentro de um saco estanque dentro da mochila (para proteger da chuva) e de levar comigo um powerbank (aqueles de carregar o celular) para conectar no gravador caso as pilhas acabem, além de garantir pelo menos um cartão SD extra. 

Já a Natália Silva, editora de som na Folha de S.Paulo, elevou o nível da preparação e das gambiarras durante a produção do Habitat, podcast sobre extinções que será lançado este ano. “Nós levamos arames de pão, sacos plásticos, pilhas extras e até fita isolante”, conta sobre as viagens de gravação. “No passado [na gravação de um episódio do Café da Manhã], o arame de pão já salvou nossa vida. A gente não achava o clipe do lapela e acabamos usando o arame para prender o microfone na roupa do entrevistado.” 

Nós levamos arames de pão, sacos plásticos, pilhas extras e até fita isolante

Natália Silva, editora de som na Folha de S.Paulo

O próprio ambiente pode trazer desafios difíceis de contornar. “Nós viajamos durante a pandemia, então quase todas as entrevistas foram feitas ao ar livre e nem sempre o vento colaborava.” Ela estava usando um gravador Zoom H6 acoplado ao shotgun NTG2 da Rode, coberto por um protetor de vento, um apetrecho peludo que também é apelidado de priscila ou dead cat. Mas, mesmo assim, nem sempre o equipamento aguentava o tranco. “Algumas vezes nós resolvemos o problema trocando o entrevistado de posição, mas, em outras, nem isso dava jeito. Teve um entrevistado muito gentil que percebeu o quanto o vento estava preocupando a gente e levou um guarda-sol para a entrevista, aí usamos isso para barrar o vento.” 

Natália Silva em campo durante a produção do podcast Habitat

Grave pensando na edição

Legal, você voltou para casa com horas e horas de áudios das suas gravações externas. E agora? Como fazer para tirar algum sentido disso tudo?

Correndo o risco de ser repetitiva, esse também é um problema que precisa ser pensado de antemão. “Antes de sair para gravar, é importante imaginar o episódio dos sonhos na sua cabeça. Como você quer que esse episódio soe? Que cenas precisam ser gravadas? Que som ambiente não pode faltar? Isso tudo é útil para não se perder durante a gravação e nem depois, na hora de organizar os arquivos”, aconselha Natália. “Se você não tomar esse cuidado antes da gravação externa, catalogar o material que você coletou pode virar um pesadelo.” 

Durante minhas gravações de campo, costumo anotar num caderninho ou no aplicativo de notas do celular uma ou outra informação essencial sobre o que tem de bom em cada arquivo. Mas a Natália tem uma dica útil para quando isso não é possível: “Eu sigo o mantra de manter o gravador ligado o máximo de tempo possível, mas eu dividia os arquivos. Quando algo acontecia e eu pensava ‘vou usar isso’, eu pausava a gravação em seguida e começava uma nova. Assim, quando eu chego em casa, eu sei que as coisas importantes normalmente estão no final dos arquivos”.

Um último ponto essencial sobre as captações externas é escutar com cuidado o ambiente. Que sons você pode aproveitar na edição? Aponte seu microfone e gravador e fique um tempo ali. Gravou a entrevista? Ótimo, agora saia por pelo menos 5 minutos e grave somente os sons do ambiente ao redor. Grave seus passos, conte suas impressões para o microfone, capture o cachorro latindo, o ranger da porta. Tudo o que você imagina que possa render bons momentos na edição. Quando se trata de captação externa, geralmente mais é mais