Duas fórmulas para conseguir bons episódios

Duas fórmulas para conseguir bons episódios

Este artigo fala de X, e o mais interessante sobre ele é Y

Você está completamente intrigada com um tema e determinada a fazer um episódio sobre ele. Você começa a ler um monte de coisas e já marca algumas entrevistas. Até que alguém te pergunta: “essa história é sobre o quê?”. E você se pega embaralhando as palavras, enrolando frases, sem saber o que responder.

É horrível quando isso acontece. A gente percebe que ainda não há uma linha narrativa e um objetivo a perseguir no episódio.

Talvez não seja possível eliminar de vez essa sensação da sua rotina. Vez ou outra, vai acontecer. Mas, quanto menos acontecer, melhor. Quanto menos becos sem saída você encontrar por aí, menor a chance de você jogar uma pauta no lixo ou de acabar com um episódio meio perdido, sem rumo e sem história. 

Existem duas fórmulas bastante usadas no mundo dos podcasts narrativos que nos ajudam a identificar ou delinear uma história dentro do assunto que nos fisgou. Elas fazem parte de um conjunto de sabedorias que vão passando de pessoa para pessoa, e aí se espalham por livros, cursos, sites, cochichos. Estão presentes, por exemplo, no Out on the Wire, livro em quadrinhos da Jessica Abel sobre o qual já falamos algumas vezes por aqui

X & Y

Tema é diferente de pauta, assim como tópico é diferente de história. Se eu digo que quero fazer um episódio sobre cachorros, eu não estou dando praticamente nenhuma pista de como esse episódio será. Ofereci apenas uma ideia ampla e vaga. Já que é impossível falar tudo sobre cachorros, eu preciso encontrar um enfoque dentro disso, uma história específica ou uma pergunta central.

O Alex Blumberg, CEO da Gimlet e ex-This American Life e Planet Money, costuma dizer que:

Tópico = X

Fator de interesse = Y

X + Y = história

O X pode ser um acontecimento, um personagem, um fenômeno ou uma ideia. E o Y é o que há de mais intrigante e curioso nisso tudo.

O que nos leva a uma fórmula mais ou menos assim:

Eu estou fazendo um episódio sobre X, e o interessante sobre isso é Y.

Vamos pegar, por exemplo, o podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo.

Eu estou fazendo um episódio (no caso, uma série) sobre o assassinato de Ângela Diniz, e o interessante é que esse caso revela a maneira como o Brasil lida com feminicídios.

Ou

Eu estou fazendo uma série sobre o assassinato de Ângela Diniz, e o interessante é que, nos anos que se passaram entre o crime e o julgamento, o assassino virou vítima e a vítima virou culpada.

Daria para experimentar variações, preencher de maneira mais detalhada ou mais simplificada. Mas o importante aqui é que a gente conseguiu identificar tanto o tópico como o fator de interesse, o que indica que temos uma história. 

Agora, imagine que eu quero fazer um episódio sobre feminicídio no Brasil, mas não consigo completar a fórmula:

Eu estou fazendo um episódio sobre feminicídio no Brasil, e o interessante sobre isso é que…

Se eu não conseguir encontrar o meu Y, posso me embananar na hora de conduzir a produção. É possível que eu tenha um monte de informações e entrevistas em mão e não faça a menor ideia de como encadeá-las. Afinal, qual história quero contar? Qual resposta quero perseguir? 

Não é obrigatório ter um caso central como o de Ângela Diniz, mas eu precisaria ao menos de algo assim:  

Eu estou fazendo um episódio sobre feminicídio no Brasil, e o interessante sobre isso é que a maior parte do nosso judiciário ainda usa o termo ‘crime passional’ e acredita que se mata por amor.

Com isso você já dá uma luz sobre o objetivo do episódio e revela o ponto-chave da discussão.

[Mais sobre X e Y no site da Jessica Abel]

Sentença focal

A chamada sentença focal é outra fórmula bastante usada para encontrar a essência de uma história, especialmente quando temos um personagem central. No Out on the Wire, o Rob Rosenthal, um dos autores e instrutores do Transom e host do How Sound, conta que adaptou essa fórmula de um livro do jornalista Tod Maffin. É basicamente assim:

Alguém faz algo porque (motivação), mas (obstáculo a superar).

Vou usar de exemplo a saga contada em Este episódio é falso, do 37 Graus: 

Ana inventa que Daft Punk fará um show em São Paulo porque quer ganhar likes nas redes sociais, mas a mentira acaba ganhando proporções que ela jamais imaginou.

Assim como o Y da fórmula anterior, o mas é extremamente importante nessa sentença, pois ele aponta um fator de interesse, um rumo, e possivelmente um plot twist na história. Sem isso, você corre o risco de acabar com um episódio morno, sem algo que desperte a vontade de escutar.

Dependendo da pauta, você pode substituir o faz por quer ou por precisa

Rosemary quer ajuda para escapar de um grupo satanista e ter seu bebê em paz, mas todos à sua volta parecem estar envolvidos com a seita (até seu marido).

(Não se pode acusar alguém de spoiler por um filme lançado há mais de 50 anos.) 

E o alguém, também dependendo do caso, pode ser um lugar, uma comunidade ou até um animal.

A cidadezinha litorânea de Amity Island precisa do turismo para sobreviver, mas um tubarão aterroriza as praias e ameaça arruinar o verão.

Adaptações e misturas

Cada história é uma história e cada podcast tem sua proposta. Pode ser que você tenha que flexibilizar ou combinar as fórmulas acima para melhor guiar as suas pautas. 

Por exemplo, o Soren Wheeler, editor-executivo do Radiolab, aponta a seguinte sentença no Out on the Wire:

Aconteceu isso ________, depois isso ________, depois isso ________. Aí, você não vai acreditar, mas _______. E isso é interessante para absolutamente todas as pessoas da face da Terra porque ________.  

O ideal é que você experimente diferentes maneiras e diferentes preenchimentos até que a pauta faça sentido e ganhe um contorno. Com o tempo, as fórmulas vão ficar impressas na sua cabeça e você vai usá-las de maneira automática sempre que tiver uma ideia de episódio.  

[Aqui tem mais algumas dicas para saber se uma pauta é boa.]