Aprendendo a reger o silêncio e a ambientação no seu podcast
Isabel Cadenas-Cañon, querida amiga espanhola que criou o podcast De eso no se habla, diz no prólogo de seu programa que nenhum silêncio é igual a outro. Quando ela fala em silêncio, não está se referindo à ausência de som, pelo contrário. Ela chama atenção para a presença de cada lugar, a atmosfera registrada em cada áudio gravado.
Se eu gravo uma mensagem na minha sala, ela será diferente daquela que gravo na cozinha, ou da que gravo num quarto de hotel, ou num estúdio. Por mais que eu considere todos esses lugares razoavelmente silenciosos, todos eles têm uma certa presença.
Para trabalhar com histórias em áudio, precisamos aprender a reger silêncios, ruídos e ambientações. Às vezes, o som do bairro e da vida lá fora é bem-vindo numa entrevista ou relato pessoal. Outras vezes, um barulho fora de lugar ou uma gritaria ao fundo podem distrair o ouvinte do que é mais importante.
Afinal, quando buscar um silêncio mais “limpo” e quando aproveitar a sonoridade ambiente para dar mais vida à história?
Narração ou off
A narração – também chamada de locução ou off – é a camada de áudio em que o apresentador guia os ouvintes pela história. Ela aparece entremeando cenas em campo, entrevistas e áudios de arquivo, sobreposta a diferentes ruídos e paisagens.
Imagine a dificuldade de contar uma história super sensível e delicada com uma narração marcada por ruídos estridentes? Ou o desafio de costurar uma paisagem florestal a uma locução com forte som de ar condicionado? Para evitar conflitos sonoros como esses, o ideal é que a narração seja o mais limpa possível, de modo que sua presença fique praticamente imperceptível a cada entrada e saída do narrador.
Por isso a locução de podcasts profissionais costuma ser gravada em estúdios profissionais ou home studios, reduzindo ao máximo a intromissão de ruídos e amenizando a reverberação (aquele som de sala vazia, não muito agradável aos ouvidos).
Também é possível garantir uma boa qualidade de áudio em gravações caseiras. Temos algumas dicas aqui.
Entrevistas in loco
Podcasts narrativos podem se beneficiar muito de entrevistas in loco, ou seja, entrevistas em que você se desloca até a pessoa e faz a gravação na casa dela, num escritório profissional ou outro lugar combinado. Se o ambiente escolhido fizer parte da história que está sendo contada ou for importante para retratar aquele personagem, melhor ainda.
Certa vez, para um episódio do 37 Graus, nós decidimos acompanhar o trabalho de campo de um geógrafo seguindo seus passos com o microfone por dentro de uma floresta. Mas, além de conhecer a pesquisa dele na prática, queríamos garantir uma entrevista mais tranquila, em que ele pudesse nos contar sobre sua vida sem as distrações ou o cansaço da caminhada na trilha.
Por isso, fizemos a gravação em duas partes: uma entrevista mais tradicional na casa dele e uma expedição na mata. Nessa última, aproveitamos para captar bastante som ambiente puro, sem vozes. Assim, é possível sobrepor camadas e dar um clima de floresta mesmo aos momentos gravados em casa ou à narração gravada em estúdio.
No geral, entrevistas feitas pessoalmente e num cenário cotidiano garantem um papo mais solto e íntimo, sem as limitações da internet ou a rigidez de um estúdio. Mas evite locais barulhentos, como avenidas movimentadas ou um café cheio de conversas paralelas.
O ideal é escolher um ambiente relativamente tranquilo e livre de interrupções, e sempre chegar com antecedência para avaliar possíveis problemas e pensar soluções – por exemplo, escolher um cômodo com menos reverberação, fechar portas ou colocar a cadeira mais distante da janela, da onde podem vir ruídos indesejados. Além disso, pode ser necessário desligar a televisão, o ventilador, o ar condicionado etc.
Importante: não esqueça de gravar só o silêncio (ou a presença) por alguns minutinhos para depois usá-lo na edição, seja para fazer remendos ou configurar o seu filtro de ruído.
Entrevistas remotas
No geral, em entrevistas remotas, a ambientação do lado de lá não nos interessa muito. É mais comum buscarmos um silêncio limpo, sem vozes de fundo ou qualquer tipo de ruído incômodo. Mas, diferentemente das conversas in loco, não conseguimos analisar e controlar o que se passa naquele lugar, então precisamos contar com a ajuda do entrevistado.
Uma dica é explicar à pessoa o que você precisa, com certa antecedência. Peça que ela escolha um cômodo razoavelmente tranquilo e sem muita reverberação, e pergunte se ela tem fone de ouvido para melhorar a captação.
O uso de plataformas de gravação local, como SquadCast ou Zencastr, diminui o aspecto de chamada online e as distorções causadas pela instabilidade da internet [mais sobre isso aqui]. Já as chamadas de Whatsapp costumam ter menos ruído que as telefônicas [mais sobre isso aqui].
Enquanto conduz a entrevista, fique sempre atento ao que chega pelo fone. Se perceber que uma frase importante foi afetada por um barulho (uma porta batendo, por exemplo), peça que a pessoa repita aquele trecho.
Filtros de ruído
Para certos tipos de presença ambiente, pode ser interessante usar um filtro de ruído na hora de editar o podcast, no seu software de edição de som. Em geral, isso funciona melhor para ruídos mais homogêneos, como o chiado constante de um ar condicionado.
Grande parte dos softwares de edição oferecem uma ferramenta nativa especialmente para isso, mas dose a intensidade e escute tudo com atenção. Em excesso, o filtro pode distorcer o seu áudio e deixá-lo pior do que estava antes.
No 37 Graus, costumamos usar a ferramenta de redução de ruído nativa do Adobe Audition, que permite selecionar um trecho de som ambiente para “subtraí-lo” daquele arquivo de áudio. Também gostamos muito do plugin Voice De-Noise, da Izotope, que consegue amenizar as sujeirinhas da gravação de maneira adaptativa.