4 passos para escrever um roteiro de podcast sem afundar o barco

4 passos para escrever um roteiro de podcast sem afundar o barco

Supere o medo da página em branco e aprenda a navegar pela narrativa

A gente já falou isso aqui e repete sempre que necessário: no podcast narrativo, o roteiro é o rei (ou o capitão, para combinar com o clima náutico). É ele que comanda a história e conduz o ouvinte por diferentes cenas, perguntas, paisagens e humores. 

Escrever um roteiro pode ser uma tarefa árdua, algo entre o amor e o ódio, a dor e a delícia, ou a tempestade e a calmaria. Por um lado, é a sua chance de usar a criatividade e experimentar percursos narrativos. Por outro, há o terror da página em branco.  

Nesta palestra de 2013, Jad Abumrad, mestre das histórias em áudio e criador do Radiolab, compara o processo criativo à uma sensação de gut churn. Seria como aquele estômago revirado misturado com um frio na barriga que sentimos quando nos atrevemos a fazer algo difícil, como navegar em um mar revolto – ou escrever um roteiro. 

Mas existem alguns processos e estratégias que podem te ajudar a navegar nessas águas turbulentas com um pouco menos de enjoo. 

1. Seleção sonoras com transcrição

Em boa parte dos podcasts narrativos, os roteiros são baseados ou guiados pelo áudio que se tem em mãos, ou seja, por trechos de entrevistas, cenas captadas em campo, diálogos de bastidores e materiais de arquivo (ex.: notícias de jornal). Selecionar os melhores pedaços de áudio, aqueles que renderão os momentos de maior brilho no episódio, pode te ajudar a destravar ideias para a estrutura do roteiro. 

Para isso, é preciso ter esses ingredientes bem organizados. Procure ordenar e renomear suas pastas e arquivos de áudio, além de indexar e/ou transcrever as entrevistas, ao menos as partes mais importantes delas. Sim, a gente sabe que transcrever é chato, mas existem algumas plataformas online que automatizam boa parte desse processo e facilitam o nosso trabalho. No fim, todo esse processo vai economizar bastante tempo na hora de escrever o roteiro, já que você não vai se perder buscando sonoras ou informações. 

Ao ouvir e analisar esses áudios, você pode ir grifando na transcrição os pontos-chave, como os momentos em que o entrevistado falou algo brilhante ou aquela hora em que você captou algo interessante acontecendo em campo. 

Importante: sempre tenha em mente que estamos trabalhando com áudio. Às vezes podemos ler uma fala na transcrição e achá-la incrível, mas, quando damos play, percebemos que ela ficou ruim ou sem graça. Se uma informação relevante ou um ponto curioso da história foi dito de um jeito confuso ou entediante – ou se passou um carro do ovo bem na hora mais dramática e tensa da conversa –, você sempre pode colocar essa pecinha na sua narração.

2. Divisão em blocos ou cenas

Como falamos ali em cima, olhar para uma página em branco com a missão de escrever nela um roteiro inteiro pode transformar tudo isso num monstro gigante e ameaçador. E, realmente, trata-se de uma atividade intensa que requer muita concentração. Um jeito de facilitar o processo é quebrá-lo em pequenas doses, ou seja, dividir o roteiro em blocos ou cenas e escrever por partes. 

Por exemplo, no episódio “A tempestade”, do 37 Graus, tínhamos quatro cenas principais em mãos: a passagem de um tornado por Taquarituba (SP); uma tempestade misteriosa que atingiu nossa cidade, Campinas (SP); o meteorologista entrevistado contando de quando perseguiu um grande tornado nos Estados Unidos; e um caçador de tempestades brasileiro falando do momento em que decidiu enfrentar o seu medo e transformá-lo em hobby. Essas cenas marcam os blocos do episódio, de modo que as explicações e dados sobre tempestades e tornados são costurados em torno delas.

3. Mapa do episódio

Fazer um mapa do episódio é traçar um percurso com começo, meio e fim, passando pelas diferentes cenas, perguntas ou explicações que farão parte da narrativa. Como seria uma boa maneira de começar essa história e fisgar a curiosidade do público? Depois desse gancho inicial, para onde quero ir? Onde entra essa explicação ou aquele dado? Qual seria um bom link entre essa cena e aquela? Como chegaremos ao auge da narrativa e como podemos terminá-la? 

Nós gostamos de fazer um mapa preliminar logo no começo da produção, buscando visualizar nosso episódio “dos sonhos”. Aí, conforme fazemos entrevistas, pesquisas e captações em campo, o mapa vai se transformando. Mas ele também pode ser feito quando a coleta de materiais está completa e estamos prestes a começar a escrita do roteiro. 

Você pode traçar esse percurso colando post its na parede, usando o Google Jamboard, desenhando numa folha em branco ou escrevendo palavras-chave num documento de texto. Nós somos do time post it, sejam eles físicos ou virtuais. (Aqui tem um exemplo de mapa do 37 Graus.)

Com isso, você terá uma bússola para a sua escrita, e a tarefa de ligar os pontos e costurar a história ficará muito mais fácil. Se no meio do processo as coisas ficarem incertas e confusas, é só pegar o seu mapa e se localizar: é aqui que eu estou e é para lá que eu vou! 

4. Busque inspiração

Parece papo hippie, mas não tem nada melhor do que uma boa inspiração para te resgatar do bloqueio criativo. Se estiver meio perdido e sem ideia de como sair do lugar, dê uma pausa para ver um filme, ler um conto ou ouvir um podcast que possa servir de inspiração. Nem importa se a história tem a ver com a sua, muitas vezes a estrutura narrativa ou uma escolha de linguagem já são suficientes para te refrescar.

Para captar ainda mais as referências e usá-las mais tarde, você pode fazer anotações enquanto assiste/lê/escuta e analisar os trechos mais interessantes. Como essa cena foi composta? Como um elemento da história se ligou ao outro? Quais estratégias a autora usou para explicar esse conceito sem ficar chato? 

Falamos mais sobre engenharia reversa aqui

Última dica

Roteiros passam por várias versões até chegar no produto final. Então, não se apegue ao plano inicial e teste coisas diferentes. Faça um rascunho sem neura e sem perfeccionismo e depois vá editando e melhorando. 

Um jeito legal de testar o roteiro é ler a narração em voz alta e tocar as sonoras conforme elas aparecem no enredo. Assim, já dá pra ter uma boa ideia do que está funcionando e do que precisa mudar. 

* A pintura que ilustra o artigo é Tempestade no mar da Galileia, de Rembrandt Harmenszoon van Rijn.