Por que fazer um painel de inspirações para o seu podcast

Por que fazer um painel de inspirações para o seu podcast

Além do fato de ser divertido

Imagine um documentário de vida animal dirigido por Tarantino. Imagine um programa de culinária com uma pegada meio Choque de Cultura. Imagine uma espécie de Jornal Nacional para crianças. Agora imagine que cada uma dessas três combinações é, na verdade, a ideia por trás de um podcast — que não existe, mas poderia existir (contanto que me deem os devidos créditos).

A primeira vez que ouvi alguém falar sobre essa coisa de juntar inspirações de diferentes fontes para encontrar a cara do seu podcast foi em 2019, numa palestra do Mark Pagán, o comediante e escritor por trás do programa Other Men Need Help (que, aliás, recomendo muito). Quem é do ramo da publicidade e da criatividade já está cansado de fazer os tais moodboards ou painéis semânticos, mas eu, como jornalista, nunca tinha sido apresentada a essa forma de começar a construção de um projeto.

Other Men Need Help ou OMNH nasceu da vontade do Mark de criar um podcast sobre masculinidades que passasse longe do formato “quatro homens brancos disputando o microfone” e também mantivesse distância dos debates acadêmicos de estudos de gênero. E depois de pensar e pensar, Mark descobriu o que queria: uma espécie de Vila Sésamo. Só que para adultos e sobre homens — ou melhor, sobre os “emblemas e hábitos da performance masculina”. E OMNH é exatamente isso. Ouça com os seus próprios ouvidos.

Mas o painel de inspirações do Mark não tinha só Vila Sésamo. Ele sabia que queria um pouco do charme dos galãs de cinema dos anos 60 e 70. Uma pitada de bossa nova. Um certo clima de coquetel entre amigos. O visual dos guias de viagem ilustrados pelo tcheco Miroslav Šašek também nos anos 60 e 70. E, para completar, um toque do personagem de John Travolta no filme Blow Out, de 1981. Sim, ele pensou mesmo em cada detalhe.

Tudo isso está presente no podcast, mesmo que o ouvinte não perceba ou sequer conheça as referências. O painel está nos bastidores, atrás das cortinas, ajudando a guiar as pautas, a abordagem, o roteiro, a voz, o tom, a música, as ilustrações. Tudo. Até as postagens em redes sociais. 

Fico pensando no que eu e Sarah Azoubel teríamos colocado no nosso painel se soubéssemos dessa tática quando criamos o 37 Graus, em 2018. Sabíamos muito bem quais eram as nossas inspirações em termos de podcasts — algo como “Invisibilia e Radiolab cruzaram e tiveram um filho brasileiro” —, mas não paramos para discutir se as nossas histórias teriam mais cara de jazz ou de MPB, se a paleta dos episódios estava mais para vibrante ou pastel, ou se tinha alguma pessoa ou personagem que pudesse nos ajudar a encontrar a nossa própria voz. 

Antes tarde do que nunca, passamos a fazer painéis de referências para guiar nossas temporadas. Na temporada atual, que traz histórias sobre o tempo, imaginamos Stranger Things acontecendo na Serra da Capivara, um Castelo Rá-Tim-Bum meio dark, e até a fase do castelo fantasma do Super Mario, só que com um Mário brasileiro e um Yoshi capivara (assim como toda a população mundial, nós adoramos capivaras).

Frases como “falta um toque de Stranger Things nessa pauta” pipocaram várias vezes nas nossas reuniões e nos ajudaram a chegar na atmosfera sci-fi que queríamos imprimir nos episódios, fosse falando de fósseis ou de um compositor de ópera do século 19. 

Existem mil e uma maneiras de juntar essas inspirações. Um Google Docs compartilhado, uma apresentação de PowerPoint, um mural no Milanote, como fazemos no 37 Graus, ou até o bom e velho mural com recortes de revista. 

Algumas semanas atrás, bisbilhotando o treinamento da PRX oferecido às oito equipes selecionadas no edital de podcasts do Instituto Serrapilheira, fiquei surpresa ao ver pela primeira vez painéis semânticos inteiramente em áudio. Cada grupo fez uma montagem de dois a três minutos com trechos de séries, filmes, músicas e, claro, podcasts que servem de referência para o projeto.

Painel semântico do data_lábia, podcast do data_labe (laboratório de dados e narrativas da favela da Maré, no Rio de Janeiro) selecionado no edital do Instituto Serrapilhera.

Do sarcasmo de Fleabag aos ritmos de Xênia França, da familiaridade do carro do ovo à sedução de uma propaganda de Sazon. É quase um mergulho na mente dos produtores. E você fica tentando imaginar de que jeito ou em quais detalhes esses ingredientes vão aparecer no prato final.

Se você está no processo de criar ou redescobrir a cara do seu podcast, deixo aqui três dicas rápidas para montar esse mural de inspirações:

  • Pense no humor/temperamento do programa. A ideia é ser divertido? Curioso? Introspectivo? Excêntrico? Relaxante? Busque referências que façam você sentir do jeito que você quer que seu ouvinte se sinta;
  • Além de listar a inspiração, destaque o que exatamente você gosta nela. Por exemplo: o clima vintage-futurista dos Jetsons, o ritmo frenético de uma feira de rua, ou o tom contido porém amigável de determinada apresentadora de TV; 
  • Abuse de diferentes tipos de referências, mas não deixe de incluir podcasts. Eu sei, você quer fazer algo novo e os podcasts existentes não representam o que você busca. Mas com certeza você gosta de elementos que já estão na roda. Tente identificar especificamente o que te prende aos podcasts que você acompanha e também, claro, o que você gostaria de fazer diferente.