Sobre a duração dos podcasts

Sobre a duração dos podcasts

Estou cada vez mais convencida de que a sensação da passagem do tempo é mais importante do que a soma dos minutos

Em aulas, palestras e consultorias sobre podcast, vira e mexe alguém pergunta: qual a duração ideal de um episódio? Sem dúvida a resposta passa pela definição do formato (é fácil fazer um ensaio pessoal de 10 minutos, mas uma mesa-redonda fica praticamente impossível) e pelo público alvo (um podcast pode caber no tempo que uma criança leva para escovar os dentes ou no trajeto de um jovem adulto até o trabalho). Também há um lado de escolha pessoal do ouvinte, que não temos como controlar. Eu, por exemplo, tenho dificuldade de manter minha atenção por mais de uma hora.

Mas levando em conta tudo isso e balanceando minhas percepções como produtora e como ouvinte, estou convencida de que a sensação de duração é mais importante do que a duração em si. Isso vale para quase tudo na vida. Tem livros tão deliciosos que a gente devora e nem percebe, ou filmes tão fluidos que fazem a gente sentir que passou uma hora no cinema, não duas. Por outro lado, um prato de comida mal temperado parece nunca chegar ao fim, assim como uma viagem em péssima companhia.

Podcasts vão na mesma linha. Queremos que nossos ouvintes escutem 50 minutos pensando que só se passaram 20. O contrário disso seria um pesadelo – como dizem os colegas gringos, o problema é quando a história “feels long” (dá uma sensação de ser longa, mesmo não sendo).

Como profissionais do áudio, nossa tarefa é identificar exatamente o que determina se um episódio vai passar voando ou vai se arrastar. Oferecer ao ouvinte uma boa história é o básico, mas penso que o segredo está também na maneira como escolhemos contá-la. O que nos leva a três etapas: a escrita, a narração e a montagem. 

Obs.: o foco aqui são os podcasts narrativos, minha área de trabalho e do Cochicho.

A escrita

Tem um motivo pelo qual todo roteirista de podcast escreve falando em voz alta (ou fala escrevendo): só assim dá para saber se o texto está correndo bem na oralidade e se soa agradável. Isso tem a ver com a escolha dos verbos, a estrutura das frases, a variação entre os parágrafos e, não podemos esquecer, as pitadas de charme.

Mesmo os assuntos mais densos e complexos merecem uma escrita fluida e gostosa. Eu diria que principalmente esses, na verdade. Quanto menos o ouvinte tem que se preocupar em destrinchar o que está sendo dito, mais chances ele tem de se aprofundar na história. Se estamos imersos na narrativa, ela nos carrega e o tempo voa. 

Um exemplo recente de uma escrita simples, intimista e elegante é o podcast Copan: edifício em movimento, produção da Trovão Mídia para o Pivô e a Livraria Megafauna.

Em podcasts que costuram narração e entrevista, a fluidez deve ser pensada como algo que nos faz esquecer da fronteira entre uma voz e outra, como se fossem instrumentos tocando a mesma música. Obviamente não escrevemos as falas de nossos entrevistados, mas temos o poder de escolher e posicionar os melhores trechos e construir nossas falas em torno deles para criar uma sensação de continuidade.

Sobre isso, gosto bastante do episódio do How Sound em que Kate Mingle fala sobre a produção da série According to Need, do 99% Invisible.

A narração

A narração está essencialmente ligada à mandeira como o roteiro foi escrito. Um roteiro dinâmico é meio caminho andado para uma locução boa de ouvir. A outra metade vem da nossa habilidade em contar a história com doses equilibradas de intimidade e emoção, a depender do estilo do programa.

Queremos que o ouvinte se sinta próximo de nós, como se estivéssemos sentados num banco de praça narrando para essa pessoa o que aconteceu. Não que a gente deva falar no podcast exatamente do jeito que falaríamos em um papo entre amigos, mas o ritmo e o tom da nossa fala natural podem ser ótimas pistas para encontrarmos nossa voz de locução

E isso independe do assunto. Branca Vianna, do Praia dos Ossos, e Sarah Koenig, do Serial, dois podcasts sobre crimes reais, provaram que entre a monotonia sisuda e a empolgação sensacionalista há muita oportunidade para sermos respeitosos com a história sem apagarmos nossa personalidade. 

Se o ouvinte está em boa companhia, o tempo passa sem ser notado.

A montagem

Tudo o que falei acima se concretiza na montagem. É na arquitetura delicada das vozes, silêncios, músicas e paisagens sonoras que um episódio vira viagem – basta saber se será uma viagem maçante ou prazerosa. 

Para mim, os podcasts mais deliciosos são aqueles que conseguem navegar entre turbulências e calmarias, esteticamente falando. Gosto de sentir uma overdose de estímulos para depois ser deixada no breu. Adoro também o contrário: estar somente na companhia de uma voz crua e, em poucos instante, ser transportada para uma cena complexa em que múltiplas camadas se misturam. Essas variações dão balanço para a história, é como estar em um trem em movimento observando uma paisagem em transformação. Radiolab talvez seja o exemplo mais marcante nesse sentido.

Agora, não podemos esquecer de podcasts minimalistas que nos conduzem com maestria por todo esse relevo usando poucos elementos. Já falei do Other Men Need Help aqui no Cochicho e não quero soar repetitiva, mas Mark Pagán é quem me vem à cabeça quando penso numa montagem simples, centrada na voz e, ao mesmo tempo, acolhedora. 

No fim, a chave para enganar o relógio está nos elementos fundamentais do podcast narrativo: a boa história, a escrita dinâmica, a narração cativante e a montagem bem pensada. Aí está a receita do umami sonoro.