Caminhos para formar e coordenar uma equipe de podcast narrativo

Caminhos para formar e coordenar uma equipe de podcast narrativo

Ana Bonomi e José Orenstein, fundadores da Trovão Mídia, contam o que aprenderam no comando de 11 programas

Apesar do mercado de podcasts estar crescendo mais que capim e de muito terreno já ter sido desbravado nos últimos anos, às vezes a gente esbarra em áreas praticamente intocadas. Não tem ninguém do lado de lá pra te dar uma informação, pra te dizer o que existe depois daquele barranco e como fazer para atravessá-lo. É mais ou menos assim que eu enxergo a tarefa de montar e coordenar uma equipe para produzir um podcast narrativo no Brasil.

Claro, dá pra buscar pistas no mundo do cinema, do rádio, do jornalismo, do podcast conversacional. E dá para espiar o que os gringos têm feito no campo dos narrativos, especialmente nos Estados Unidos, já que esse estilo de programa não é novidade por lá. Mas fato é que, por aqui, as funções que ocupamos e precisamos – seja na produção, no roteiro, no desenho de som – ainda estão tomando forma, assim como as etapas de criação das histórias em áudio.

A Ana Bonomi e o José Orenstein fundaram a produtora Trovão Mídia no começo de 2020. De lá para cá, foram 11 equipes montadas, com algumas figurinhas repetidas, e 11 projetos tirados do papel, incluindo Cadê a receita, Rita Lobo?, do Panelinha, Só acho engraçado que, um original Deezer apresentado pela atriz Maria Bopp, e os autorais Que dia é hoje?, de crônicas ficcionais, e Parir, com relatos de parto.

“A gente até fez esse movimento de olhar para os gringos para ter essa divisão de funções mais clara, mas parece que nem eles sabem muito bem a fronteira entre uma coisa e outra. É algo que a gente vai aprendendo na prática e montando de acordo com a necessidade”, contou o Zé.

O desabafo do Jody Avirgan (que atualmente faz o This Day in Esoteric Political History, da Radiotopia) é de três anos atrás, mas continua atual.

O Zé vem de uma carreira no jornalismo, tendo passado por Folha de S.Paulo, Estadão e Nexo Jornal, onde foi editor-executivo e um dos responsáveis por desenvolver o setor de podcasts. Já a Ana é economista de formação e depois migrou para o marketing, tendo trabalhado com grandes marcas. Os dois são fãs de podcasts narrativos há tempos e hoje se dividem entre diferentes projetos, tanto coordenando as equipes como colocando a mão na massa em momentos-chave da produção. 

Assim como o Zé e a Ana, eu tento ficar de ouvidos nos créditos dos podcasts narrativos e de olho nas descrições de vagas de trabalho, aqui e na gringa. Em programas de referência na nossa área, como This American Life e 99% Invisible, o tal do produtor (producer) cumpre mil e uma tarefas, da ideia e pesquisa de pauta até a narração da história e montagem preliminar do episódio no software de edição, passando por entrevistas e roteiro. Às vezes, dependendo do episódio, o apresentador (host) só faz a abertura e logo passa a bola para esse repórter.

Acima do produtor (ou de uma equipe de produção, que pode incluir um produtor sênior e produtores assistentes), ficam o editor (que toma decisões sobre a abordagem e os rumos das histórias), o produtor executivo (que coordena o trabalho da equipe, do orçamento aos cronogramas) e o apresentador, que geralmente também cumpre pelo menos uma das funções anteriores. Além disso, há a galera da edição de som, da música, do marketing, do design/ilustração, e por aí vai. O tamanho das equipes varia de 1 a infinito, de acordo com o porte, a grana e a periodicidade do podcast.

Sentei para conversar (abri o Zoom) com a Ana e o Zé para descobrir o que eles aprenderam nesse um ano de Trovão e pegar dicas para quem está passando pelo processo de construir e coordenar uma equipe. 

Bia: Das equipes que vocês formaram até hoje, tem uma composição mínima? 

Ana: Roteiro e edição de som. O resto depende do tamanho do projeto.

Zé: Eu diria que o roteiro é, na verdade, uma produção/roteiro.

Ana: Mas é que, falando de produção, essa é uma função que a gente acha muito difícil de encontrar. Essa pessoa que saiba achar os entrevistados e também escrever roteiro, decupar… A gente importou o termo, mas parece que aqui essa função ainda não existe.

Bia: E aí, nessas equipes, vocês ficam de coordenadores? 

Ana: O Zé fica na edição executiva e eu na produção executiva. 

Zé: Em teoria, eu cuido mais do conteúdo, roteiro e edição, e a Ana faz os processos andarem, que é cuidar da equipe, do cronograma, dos contratos, fazer a gerência. Mas, na prática, os dois fazem um pouco de tudo. 

Bia: Onde e como vocês buscam os profissionais que precisam? 

Zé: A gente geralmente pede indicação para pessoas que a gente conhece e que já são do meio. 

Ana: É, pedir indicação é mais assertivo. É melhor do que fazer post nas redes sociais convocando as pessoas. 

Zé: Por outro lado, o post permite sair da bolha. Não é de todo ruim. Aparece gente de outras regiões do país e com outras experiências, que traz novas ideias. 

Ana: Tem razão. Fizemos isso para selecionar uma estagiária e recebemos muita gente legal. 

Bia: Qual o tipo de profissional mais difícil de encontrar ou a função mais difícil de preencher numa equipe de podcast narrativo? 

Zé: Depende muito do projeto. Mas talvez editor de som, né, Ana? 

Ana: Uma pessoa que faça desde a montagem até o sound design. É o mais difícil de acertar. 

O trabalho de produção executiva é muito maior do que eu esperava. Porque as pessoas são pessoas. Elas têm pedidos, desejos e exceções que precisam ser levados em conta.

Ana Bonomi

Zé: Porque tem que ser uma pessoa que conhece a cadência, que tenha repertório de podcast narrativo. E isso ainda é raro. 

Ana: Por um lado a gente quer conhecer pessoas novas e trabalhar com gente nova, mas, por outro, a gente acaba às vezes repetindo um editor de som em diferentes projetos por já ser uma pessoa em quem a gente confia. É a função em que a gente mais vive esse drama.

Bia: Tem algum padrão no jeito como vocês gerenciam as equipes? Algum formato de reunião ou plataforma específica?

Ana: Nos podcasts mais quentes, como o Só acho engraçado que, a gente tem feito uma espécie de reunião de pauta toda semana, com a equipe inteira. Porque tem que ser rápido, são dois dias entre a reunião e o programa estar pronto. Outros menos quentes, como o Rediscover [original Amazon Music], têm uma organização diferente. Nesse caso a primeira reunião é a mais importante, para a equipe se conhecer, mostrar o cronograma etc. Depois, a gente cria um grupo de WhatsApp e vai. Já tentamos usar o Trello, mas o que realmente funciona é ter um cronograma no Google Docs, que eu passo para todo mundo.

Zé: A gente tem Trello, mas é mais para eu e a Ana organizarmos tudo o que a gente está fazendo no momento. Tem lá os quadros de todos os projetos. Eu gosto de voltar para ele quando estou meio perdido. Além disso, nós dois temos nossas próprias reuniões e fazemos nossas to-do lists do dia ou da semana. Ah, e a gente passa o dia no Google Meet. 

Ana: Sim, ou a gente está fazendo reunião ou a gente fica trabalhando cada um na sua, com a câmera e o microfone desligados. Só liga quando um quer falar com o outro. 

Bia: Tipo para simular o dia a dia num escritório? 

Ana: Isso. 

Bia: E o processo de cobrança das entregas de cada pessoa, dos prazos de cada equipe. Isso toma muito tempo?

Ana: Sim, esse trabalho de produção executiva é muito maior do que eu esperava. Porque as pessoas são pessoas. Elas têm pedidos, desejos e exceções que precisam ser levados em conta.

Zé: E, como freelancers, cada um também tem seu tempo, seus outros trabalhos. 

Quando você deixa as pessoas felizes e confiantes, volta um trabalho bom.

José Orenstein

Ana: O que a gente faz é trabalhar muito na base da confiança. A gente se preocupa em montar equipes comprometidas, já num nível de senioridade que não dá migué, não some. O que precisa é ficar azeitando, porque são cinco pessoas e aquilo precisa funcionar. A gente está trabalhando com criação, então todo mundo precisa ser ouvido e estar confortável. 

Zé: A transparência é o que funciona. A gente tem o cronograma, que é bom e faz a coisa andar, mas temos também que ter transparência e deixar as pessoas à vontade para negociar se for preciso. 

Bia: Com a pandemia, como vocês têm feito as gravações? 

Ana: Depende. Mandar locutores para um estúdio é sempre a nossa primeira opção, e a gente acabou encontrando alguns estúdios que fazem um esquema bem isolado. O técnico fica na salinha dele e a pessoa só entra no estúdio e grava, sem muito contato. Mas também fazemos isso de enviar microfone. 

Zé: A gente tem alguns microfones USB para enviar, ficam em São Paulo e no Rio. Em outros lugares do Brasil geralmente usamos estúdio. 

Bia: Dicas para quem está começando a montar ou gerenciar uma equipe?

Zé: Acho que o importante é você entender bem quais são os seus pontos fortes. Por exemplo, eu e a Ana somos mais fortes na etapa do roteiro. Já na parte técnica, de mixagem, não. Saber isso ajuda na hora de procurar as pessoas que faltam para montar a equipe. Outra dica é sempre buscar pessoas com quem você tenha bom diálogo e, durante a produção, manter esse ambiente de bom diálogo, especialmente para quando o trabalho precisar ir e vir. E já combinar como vão funcionar as refacções, por exemplo.

Ana: É aquele ditado: combinado não sai caro. Se o projeto for ter prazo apertado, já fala logo. E aí a pessoa topa se ela quiser. Não deixe pra falar depois, com a coisa já andando. O mesmo vale para um projeto com pouca grana. Fala logo, e aí a pessoa pega o trabalho se ela quiser. E, ao longo do projeto, se você quiser que a pessoa tenha alguma flexibilidade para atender seus pedidos, tenha flexibilidade com ela também. É assim que você constrói a confiança na equipe. Aliás, quando acontece alguma situação ruim, em que algo deu errado, essa é a oportunidade que você tem para criar uma boa relação com as pessoas. Tipo: tá ruim, mas vamos juntos. 

Zé: Quando você deixa as pessoas felizes e confiantes, volta um trabalho bom. Então a dica é: construir relações de confiança baseadas em transparência.

Ana: E fé (ri).