Roteiro de podcast narrativo: três modelos para te ajudar

Roteiro de podcast narrativo: três modelos para te ajudar

Conheça as estruturas clássicas e identifique a melhor maneira de contar a história que você tem em mãos

Nós já falamos aqui sobre como o roteiro é o rei do podcast narrativo. Bons roteiros podem levar semanas ou meses até ficarem prontos, passando por várias versões. Em artigos anteriores, também demos dicas sobre como se organizar para começar um roteiro, mas nunca mergulhamos de fato nesse processo de estruturação e escrita de uma história. 

A verdade é que essa etapa de produção pode ser muito complexa e difícil de orientar, justamente porque cada programa pede um estilo de roteiro, e cada história pede uma estrutura própria. Não se trata de uma etapa de trabalho em que podemos simplesmente dizer “faça uma abertura dessa maneira e desenvolva a narrativa por esse caminho”. É um processo artesanal, de muita criatividade, experimentação e intuição. 

Mas existe algo que pode ajudar (e já nos ajudou muitas vezes) a desbloquear a cabeça e destravar a escrita: conhecer estruturas narrativas clássicas. Seja no cinema, na literatura ou nos podcasts, podemos identificar certos percursos ou estratégias narrativas que se repetem, se misturam, e funcionam como boas bases para criar algo novo. 

Linha cronológica

A sequência cronológica de eventos é certamente a estrutura mais fácil de explicar, o que não significa que seja fácil de aplicar. O nome diz tudo: trata-se de um roteiro que conta uma história a partir do passado e rumo ao futuro, sem grandes regressões ou parêntesis. O que temos, na verdade, são elipses, que nos permitem saltar de um ponto importante a outro, mas sempre avançando na linha temporal.

Esse é um bom modelo para histórias que são quase que naturalmente interessantes, elas se sustentam por si. Como exemplo, logo vêm à cabeça produções como Boyhood (2014), que conta a história de um garoto em amadurecimento e sua família, da infância à juventude. Também é o caso de boa parcela dos podcasts que tratam de acontecimentos históricos ou personagens históricos. 

Mas essa estrutura não se limita às narrativas do passado ou histórias de vida. Um exemplo bem dinâmico e ancorado no presente é o episódio 129 Cars, do podcast This American Life. A equipe do programa acompanhou a rotina de uma concessionária de carros por um mês, documentando a missão dos funcionários: usar todas as suas habilidades para conseguir vender 129 veículos.    

Sanduíche

Imagine um lanche de várias camadas, pão, queijo, tomate. Só que, em vez desses ingredientes, temos componentes de uma história: cenas envolventes (aqui está o item mais saboroso), digressões, explicações etc. Conforme você estrutura esse sanduíche, quer dizer, esse roteiro, você combina essas camadas de modo a criar uma narrativa dinâmica, equilibrada e interessante de acompanhar, sempre dando atenção especial às cenas, já que estamos falando de podcasts narrativos.

A ideia aqui é pensar numa história concreta que servirá de âncora para as digressões ou explicações que possam surgir. Assim, os exemplos e reflexões não ficam no abstrato por muito tempo, evitando que o ouvinte perca o interesse. 

Essa talvez seja a estrutura que usamos com maior frequência no 37 Graus, já que muitas vezes temos de entremear explicações e curiosidades científicas à uma linha narrativa central. Um exemplo é o episódio Um acidente de memória, no qual a Bia usa uma história pessoal, de um acidente de carro, para navegar por estudos da psicologia que revelam como nossa memória funciona (e como ela pode nos enganar). 

Roteiro em “e”    

Essa estrutura é chamada de “e” porque começa num ponto avançado da história (no meio ou no final) e depois desenvolve a narrativa de maneira cronológica, ou “ensanduichada”, ou de qualquer outra forma que a sua mente criar.  

Um exemplo é o filme Cidade de Deus, que começa numa cena ágil de perseguição de galinha. A cena culmina num ponto tenso: o protagonista Buscapé se vê encurralado entre o grupo de Zé Pequeno e a polícia, com todas as armas apontadas em sua direção. Ele diz: “Mas, na Cidade de Deus, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Sempre foi assim, desde que eu era criança”. 

Assim que ele termina a frase, a imagem transiciona e o vemos menino, no meio de um jogo de futebol, sinalizando que para chegarmos àquela situação tensa da abertura, temos que conhecer o passado dele e de sua vida na Cidade de Deus. 

Vários podcasts se utilizam desse recurso, e virou até uma piadinha o clichê “para entendermos essa história, temos que começar 10 anos atrás” ou “para entendermos como tudo chegou a esse ponto, precisamos voltar ao passado”. Clichê ou não, essa estratégia pode ser bem interessante para começar episódios de uma maneira envolvente, com uma cena que te agarra pelos ouvidos. 

Para fechar

Como dissemos lá no começo, estruturar e escrever roteiros é uma tarefa artesanal e experimental. Técnicas são importantes, mas o principal é observar os pontos mais brilhantes da história que você tem em mãos e entender a melhor maneira de entregar isso ao ouvinte. Brinque com os possíveis caminhos, teste versões, leia em voz alta, apresente para colegas. E, se possível, deixe o roteiro descansar antes de dá-lo como concluído.