Perguntas-chave para conseguir uma boa história
Às vezes, a gente tem em mãos uma história ótima, mas as entrevistas ficam mornas e é preciso fazer um milagre para transformar aquilo em cenas, diálogos, sequências de ações.
Existem algumas perguntas-chave que podem ser adaptadas para diferentes situações e que ajudam o entrevistado a entrar no seu jogo (ou seja, a contar boas histórias em vez de dar respostas automáticas).
“Como tudo começou?”
Essa pergunta é coringa para qualquer conversa. Se você está fazendo uma entrevista com um especialista em funk carioca, você pode perguntar:
“Quando, onde e como o funk entrou na sua vida?” ou “Você lembra qual foi o momento que você pensou ‘é isso, vou pesquisar a história do funk’?”.
Na hora de partir para uma parte mais documental da entrevista, você pode só trocar o alvo da pergunta:
“Quando, onde e como começa a história do funk carioca?”
“Você lembra onde estava quando isso aconteceu?”
É a pergunta ideal para quando você quiser construir uma cena a partir de um acontecimento. Ao ser questionado sobre o local em que algo aconteceu, o entrevistado é levado a resgatar suas memórias e a descrever a sequência de ações que desencadearam no acontecimento em questão, seja ele uma descoberta científica, um encontro amoroso ou a chegada de uma notícia. Por exemplo:
Entrevistado: “Eu fiquei sabendo que estava sendo processado por causa daquela pesquisa.”
Entrevistador: “Você se lembra onde estava quando recebeu a notícia?”
Entrevistado: “Hum… Lembro que eu estava voltando para casa depois do trabalho. Estava no carro, parado no trânsito, quando recebi o telefonema. Na hora, eu não conseguia acreditar.”
“E depois?” ou “E aí?”
Podcasts narrativos precisam construir cenas detalhadas. Acontece que, sem querer, os entrevistados podem acabar deixando de fora detalhes que seriam interessantes para a história.
Um simples “e aí?” pode ajudar a preencher essas lacunas. Por exemplo:
Entrevistado: “Nesse dia, eu e meu irmão discutimos por causa da herança.”
Entrevistador: “E depois?”
Entrevistado: “Depois ficamos mais de um mês sem conversar.”
Entrevistador: “E aí?”
Entrevistado: “Aí no ano passado, perto do Natal, uma prima nossa marcou um almoço com nós dois, só que sem falar para mim que meu irmão estaria lá e vice-versa.”
Entrevistador: “E como foi?”
Entrevistado: “Foi estranho, mas bom. Assim que estacionei na casa dela, eu vi o carro dele e cogitei ir embora. Mas aí pensei que seria melhor entrar, nem que fosse para a gente brigar de vez. Quando finalmente eu entrei e a gente se viu, foi um sentimento doido. De repente pareceu que toda aquela briga foi uma coisa boba, que nunca deveria ter acontecido.”
“Como você se sentiu naquele momento?”
Sempre que a intenção for extrair um relato mais pessoal do entrevistado, essa pergunta pode ser útil. Pode ser feita, por exemplo, a um pesquisador que fez uma grande descoberta (ou que queria descobrir algo e não conseguiu). Por exemplo,
Entrevistada: “Eu passei dez anos da minha vida estudando essa espécie de cobra, mas nunca tinha visto nenhuma nos meus trabalhos de campo, até aquele momento.”
Entrevistador: “E como você se sentiu quando finalmente viu uma delas?”
Entrevistada: “De tão feliz, eu congelei. Se não fosse pelos meus colegas, eu não teria conseguido nem tirar uma foto dela.”
“Como você descreveria isso para alguém que não está vendo?”
Essa pergunta é ótima para quando você quer que o entrevistado descreva detalhadamente o cenário ou acontecimento que vocês estão observando. Por exemplo, se você estiver cobrindo um protesto.
Entrevistador: “Como você descreveria isso para alguém que não está vendo?”
Entrevistado: “São umas duzentas pessoas… Elas estão todas vestidas de azul e caminham na avenida bloqueando a passagem dos carros. Algumas levam bandeiras e cantam. Agora elas estão passando por cima do viaduto em direção ao centro.”
Também funciona para resgatar cenários ou acontecimentos do passado.
Entrevistador: “Como era esse lugar? Me transporta para aquele cenário.”
Entrevistado: “Era uma praia comprida, com areia cinza. Já estava anoitecendo, então o mar estava azul escuro. Lá no fundo dava para ver algumas casinhas de pescador, e só. De resto, era completamente deserto.”