Escrevendo a descrição do podcast: um jogo de sedução
Alguns dias atrás eu estava perdida sobre o que assistir na TV e comecei aquela famosa saga em que você roda por todos os streamings na esperança de ser fisgada por alguma coisa. Eu raramente dou bola para os filmes e séries originais que ficam na capa da Netflix, mas dessa vez um anzol me pegou: a minissérie A mais pura verdade (True Story, em inglês). Nem olhei direito o teaser que estava rodando, só bati o olho na descrição. Três elementos me levaram a apertar o play:
- Categoria suspense – adoro;
- História curiosa: “Após uma noite desastrosa com o irmão, um comediante famoso vê sua vida virar de cabeça para baixo, correndo o risco de perder tudo o que conquistou”;
- Wesley Snipes interpreta um dos personagens principais.
Ou seja, eu decidi assistir a série depois de ter algumas pistas sobre: o que ela me faria sentir ou que tipo de entretenimento ela seria para mim; os elementos básicos da história e quais mistérios ela propõe (o que de tão ruim aconteceu para que tudo ameaçasse ir por água abaixo da noite para o dia?); e quem eu veria na tela.
Essas três peças são comuns em sinopses de filmes, séries e livros, compondo uma espécie de receita básica para atrair a atenção do público. Podemos usá-las de base para pensar em descrições de podcast, afinal, o objetivo é o mesmo. No caso dos programas em áudio, esse texto resumido aparecerá em todos os tocadores, embaixo ou ao lado do título e da capa do podcast, funcionando como uma isca para os usuários.
Cada podcast tem sua própria identidade e suas características de maior destaque. Programas seriados que investigam uma só história ao longo de vários episódios costumam apontar o holofote para o que a trama tem de mais intrigante, como os mistérios ao redor de um crime, as razões ocultas ou as consequências inesperadas de um acontecimento.
É 1990. O Muro de Berlim acabou de cair. A União Soviética está à beira do colapso. E a trilha sonora da revolução é uma das canções mais populares de todos os tempos, a balada de metal “Wind of Change”, dos Scorpions. Décadas depois, o jornalista Patrick Radden Keefe ouviu um boato: a música não foi escrita pelos Scorpions. Foi escrita pela CIA. Esta é a jornada dele para encontrar a verdade. Wind of Change é uma série original de Pineapple Street Studios, Crooked Media e Spotify. [tradução nossa]
Wind of Change, Pineapple Street Studios, Crooked Media e Spotify
Já as produções que contam uma nova história ou tratam de um assunto diferente a cada episódio podem construir uma descrição um pouco mais aberta, com foco no clima geral do podcast (mais informativo ou mais divertido; mais conversacional ou documental/narrativo) e que tipo de pautas ele traz.
Unexplainable é um programa de ciência sobre tudo o que não sabemos. O apresentador Noam Hassenfeld se junta a uma série de especialistas e repórteres da Vox a cada semana para explorar as mais fascinantes perguntas não respondidas da ciência e como cientistas estão quebrando a cabeça para tentar respondê-las. [tradução nossa]
Unexplainable, da Vox
O Habitat, da Folha de S.Paulo, é um bom exemplo de meio-termo. É seriado e, ao mesmo tempo, explora um novo cenário a cada episódio.
O ser humano tem mudado o planeta em um ritmo que os outros seres vivos não conseguem acompanhar. E cientistas acreditam que o desaparecimento de tantas espécies indica que nós estamos provocando uma extinção em massa —a sexta na história da Terra. No novo podcast de ciência da Folha, as jornalistas Jéssica Maes e Natália Silva partem em expedições pelo Brasil em busca de espécies que correm risco de sumir e investigam a origem dessas ameaças.
Seja qual for a temática ou o formato do podcast, pode ser interessante indicar quem está por trás da produção, como nos exemplos acima. Os apresentadores são jornalistas, artistas, cientistas? A produção foi feita por um veículo jornalístico, uma grande produtora ou uma plataforma de streaming? Lembrando que, nos aplicativos, o nome da organização “dona” do feed (ex.: Vox) aparece abaixo do título do programa.
Muitos podcasts decidem não incluir mais informações sobre os autores ou produtores na descrição e não há regras sobre isso, mas vale pensar no que é relevante para o ouvinte e o que vai influenciar na sua decisão de escutar ou não o programa. Claro que isso também depende de quão reconhecidas são as pessoas e as organizações envolvidas – se o Wesley Snipes comanda o podcast, metade da propaganda já está feita.
Com Samin Nosrat (chef e autora do livro de receitas Salt Fat Acid Heat) e Hrishikesh Hirway (criador e apresentador do podcast Song Exploder), Home Cooking é uma minissérie para te ajudar a decidir o que cozinhar – e te fazer companhia – durante a quarentena. Se você precisa de ajuda ou apenas gostaria de um pouco de inspiração criativa para sua cozinha, nós estamos aqui. [tradução nossa]
Home Cooking, por Samin Nosrat e Hrishikesh Hirway
Nos podcasts em que a periodicidade é parte da identidade, vale a pena incluir essa informação logo na fachada. Os principais exemplos são os programas diários, criados para acompanhar o ouvinte no começo ou no final do dia.
Levante da cama com notícias e análises quentinhas no Café da Manhã, o podcast mais importante do seu dia. Em uma parceria entre Folha de S.Paulo e Spotify, os jornalistas Magê Flores, Maurício Meireles e Bruno Boghossian trazem nas manhãs de segunda a sexta, de forma leve e simples, o fundamental sobre os assuntos do momento no Brasil e no mundo.
Café da Manhã, por Spotify e Folha de S.Paulo
Equilíbrio entre informação e sedução
Há podcasts que se descrevem de maneira mais direta (“debates sobre a história da América Latina”), outros apostam em pequenas pistas que atraem o ouvinte sem dar muitos detalhes. Há risco nos dois extremos: dar informação demais pode deixar a descrição dura e pouco charmosa, enquanto frases vagas podem passar batido e não despertar no ouvinte a vontade de dar o play. Como no mundo dos filmes e séries, as sinopses não precisam contar tudo, mas precisam oferecer alguma coisa para ganhar o jogo da sedução.
Nesse outro artigo do Cochicho, Sarah Azoubel e eu trouxemos algumas dicas para quem vai se inscrever em editais de podcast, incluindo sugestões para fugir do óbvio na hora de explicar o seu programa e, assim, conquistar a banca. Como avaliadoras de projetos, podemos dizer sem titubear que o deslize mais grave e também mais frequente é a descrição genérica.
Evite frases parecidas com “um bate-papo sobre tudo e qualquer coisa” ou “falamos sobre X de maneira leve e descontraída”. E aqui vale uma dica de escrita de roteiro: voz ativa e verbos de ação ajudam a dar movimento ao texto – é comum vermos “fulano investiga o que aconteceu” ou “beltrano mergulhou no assunto para descobrir Y”.
Para fechar, alguns exemplos curtos e simples que, na minha opinião, souberam apresentar a essência do programa sem matar o romance.
Everything is Alive é um programa de entrevistas em que todos os entrevistados são coisas. A cada episódio, um objeto diferente nos conta a sua história de vida — e tudo o que ele diz é verdade. [tradução nossa]
Everything is Alive, da rede Radiotopia
Toda mulher indiana sabe que existem regras para circular pela cidade — regras que determinam quem pode estar em determinado lugar e o que você pode ou não pode fazer. Mas esse podcast não é sobre essas regras. É sobre como elas são quebradas, torcidas e dribladas quando mulheres decidem fazer as coisas por sua própria vontade. [tradução nossa]
City of Women, da Vaaka Media
Explore as histórias escondidas por trás da maneira como projetamos o mundo em que vivemos, e o que podemos aprender quando esses projetos fracassam. A primeira temporada, Utopian, acompanha Avery Trufelman em sua missão para entender a busca perpétua pelo lugar perfeito, como essa busca pode dar espetacularmente errado e quais são as consequências disso. [tradução nossa]
Nice Try, da Curbed
Um podcast sobre como sabemos o que sabemos e por que temos a impressão, nos últimos tempos, de que não sabemos mais nada. O programa é apresentado por Jill Lepore, historiadora que desvenda os segredos do passado como uma detetive. [tradução nossa, com leve adaptação para compreensão]
The Last Archive, da Pushkin Industries