Como o Budejo incorporou a ficção na rotina de bate-papos
Olhando em panorama, o Budejo — que também atende por “o podcast que leva o Cariri para os seus ouvidos” — é um programa de conversas e entrevistas. A cada semana, os apresentadores recebem um ou mais convidados para debater determinado tema, indo do BBB à defesa do SUS. Mas vez ou outra, a equipe se aventura em episódios narrativos, como foi o caso dos especiais Luiz Gonzaga e O Auto da Compadecida, e, mais recentemente, o Crônicas do Confinamento, a primeira produção ficcional do Budejo.
[Na foto, a equipe do Budejo. Da esquerda para a direita: Ana Carolina Torres, Luan Alencar, Felipe Azevedo e Pedro Philippe.]
Crônicas do Confinamento, como o nome já indica, traz histórias da quarentena. Os atores Ademara Barros e Max Petterson, já bastante conhecidos por seus vídeos de humor nas redes sociais, interpretam contos de cinco autores, incluindo nomes como Gil Luiz Mendes, Ka Dantas e Jarid Arraes, cujo livro Redemoinho em dia quente figurou em diversas listas de melhores do ano em 2019. O episódio conquistou os ouvintes e rapidamente se tornou um dos mais ouvidos entre os mais de 70 lançados.
O Cochicho conversou com o Luan Alencar, apresentador e editor do Budejo, para saber sobre os aprendizados e desafios de uma produção ficcional em meio à agenda de conversas e entrevistas.
Cochicho: Como nasceu o Budejo?
Luan Alencar: O Budejo surgiu no começo do ano passado (2019) a partir de uma ideia do Felipe Azevedo, que é um dos integrantes até hoje. Ele lançou no Twitter a ideia de que estava na hora de ter um podcast no Cariri e sobre o Cariri, sobre nossa cultura. Eu conhecia o Felipe só de vista e, quando me marcaram nesse tweet, fui falar com ele. A gente se reuniu e o Budejo nasceu aí, dessa vontade que tínhamos de imprimir nosso sotaque e nossos costumes em uma mídia pela qual já éramos apaixonados.
Cochicho: Qual é sua trajetória no mundo dos podcasts?
Luan Alencar: Eu já tinha experiência de podcast anteriormente, comecei a ouvir em 2008 e sempre tentei fazer como hobbie entre amigos. Quando o Budejo começou, eu tinha um podcast sobre futebol, o Esquenta Bancos, que acabou já, mas nunca foi muito profissional, tínhamos outro trabalho e nos reuníamos às vezes para fazer. E aí o fato de eu já ter essa experiência e equipamentos foi o que me fez chegar ao Felipe e começar o Budejo.
Cochicho: Como foi fazer o Crônicas do Confinamento?
Luan Alencar: Foi gostoso explorar um formato que não estamos tão habituados. Primeiro, nós pedimos os textos para os autores que a gente conhecia e não dissemos que era para escrever pensando que iria virar um podcast. Não queríamos adicionar essa barreira e preferimos deixar que eles escrevessem da maneira que se sentissem confortáveis, depois eu me viraria para editar. Até tem um dos contos que já tinha sido escrito antes, o de Jarid Arraes, que também é aqui do Cariri. Ela nos cedeu um conto que tinha ficado de fora de um livro dela (o Redemoinho em dia quente).
Com isso em mãos, pensamos em chamar Max Petterson e Ademara Barros, que são influenciadores nordestinos e têm tudo a ver com o Budejo. Eles já até tinham passado pelo programa, então fazia muito sentido chamá-los. Achamos legal trazer os dois que são muito associados à comédia para fazer uma coisa que não era humor. Tem um conto que é mais engraçadinho, mas no geral é uma pegada mais dramática.
Então, depois de conseguir os dois, o resto foi bem tranquilo. Eles são muito bons atores, o que facilitou muito nosso trabalho de edição. E, em seguida, foi mais a parte criativa de sonorizar essas histórias para ficar gostoso de ouvir.
Cochicho: As crônicas são totalmente ficcionais ou têm um pouquinho da quarentena dos autores?
Luan Alencar: Nós chamamos cinco pessoas, para ser cinco contos escritos por pessoas diferentes. Alguns deles são de autores profissionais. Gil Luiz Mendes, Jarid Arraes e Ka Dantas têm livros publicados. Outros, que foram Gabriel Queiroz e Ravena Monte, são autores que escrevem mais por hobbie, mas que sabemos que escrevem muito bem.
Sei que têm coisas da vida pessoal deles sim, mas não é um relato real do que que aconteceu. O de Gabriel Queiroz, que é o Ovnis, é pensado na rotina dele com a namorada. Eles moram juntos e estão sozinhos desde o começo. Então essa coisa do casal que vê algo no céu e depois acha que são ovnis é uma coisa que ele diz que faz parte da rotina deles. E o de Jarid também é um que não é autobiográfico, mas tem muito dela, porque ela é tatuada, gosta de heavy metal. Ela é daqui, mas não se sente à vontade porque as pessoas estranham a presença dela. Então, têm elementos da vida dos autores nos contos, mas não são totalmente autobiográficos.
Cochicho: A trilha sonora tem um papel importante no desenrolar das histórias. Como foi esse trabalho de sonorizar o episódio?
Luan Alencar: Quando li os contos, eu já sabia o que procurar para cada um. Tive ideias de tipos de músicas diferentes para pontuar que são histórias diferentes, com emoções diferentes. No conto Ovni, minha ideia de cara foi brincar com músicas que remetessem a filmes de aliens dos anos 60, 70. Por mais que o conto não tenha aliens, achei que seria legal por tocar nessa brincadeira de achar que viu aliens. Já o primeiro conto, que é o Loucura é ter uma piscina na sala, é um romance entre duas mulheres que se conhecem durante o isolamento e é bem sensível, bem singelo; por isso, achei que combinaria uma trilha toda em piano.
É importante pensar em instrumentos e estilos de música que encaixem com o que está escrito na história. Essa é a parte mais legal. É ler, fechar o olho, imaginar uma música, encontrar uma que combina e dar play enquanto ouve a narração. Também é legal tentar ritmar a fala junto com a música, deixar o espaço da fala do texto no ritmo da música, porque dá a sensação de que a trilha foi composta em cima da fala. O que não foi, nesse caso, mas na edição dá para transmitir essa sensação.
Cochicho: Rolou alguma dificuldade na produção desse episódio por ser diferente do que vocês geralmente fazem?
Luan Alencar: É um programa que só conseguimos fazer se pararmos um pouquinho, já que não temos uma baita estrutura. Também foi possível devido a um alinhamento que deu muito certo. Contamos com a Ademara e o Max, o que não é fácil, pois os dois são atarefados. Tivemos a sorte deles terem bons gravadores e a qualidade ficou boa.
Se fôssemos fazer um Crônicas 2, teríamos que contar com tudo isso fora o tempo. E é muito trabalhoso editar podcast com storytelling porque, geralmente, o Budejo é uma coisa mais automática. A gente grava e eu já sei como vai ser a edição, eu corto as falas, as gaguejadas, as falhas, coloco a trilha padrão do fundo e acabou. Mas esse não, a edição é a parte criativa da coisa e dá mais trabalho. Porque não é só editar, é preciso pensar em como editar, em como vai fazer sentido, como vai passar tais sensações. Então, eu gostaria muito de fazer, mas precisaria de tempo, talvez um investimento e uma estrutura que não paramos ainda para pensar.