Como tirar uma ideia de podcast do papel

Como tirar uma ideia de podcast do papel

Estratégias para pensar em um novo programa.

Então você teve uma ideia. Encontrou uma boa história pra contar ou decidiu que um assunto pelo qual você se interessa pode render um podcast. Antes de mais nada, questione a sua própria ideia. Todo ano há quem aposte que “esse ano é o ano do podcast no Brasil”. Há quem diga que ele já passou, há quem diga que ele está por vir. De todo modo, tem muitos podcasts sendo produzidos por aqui.

Então, antes de avançar no seu projeto, tente responder para você mesmo o que o seu programa pode trazer de novo para esse meio. Eu não quero te desincentivar a fazer o podcast, mas também não quero te colocar numa cilada. Fazer podcast dá trabalho. Demanda tempo, dedicação e algum investimento financeiro.

E tente explicar a sua motivação para criar esse podcast de um jeito simples: eu quero fazer um programa sobre _____ e é interessante porque ______. Se sua resposta for convincente, dê o próximo passo.

Aliás, esses passos são só uma sugestão com base na experiência que eu tive pensando o Prato Cheio, o podcast de alimentação do site O Joio e O Trigo

Em 2019, eu fui responsável pela idealização do projeto — que foi apresentado para a equipe do Joio e lapidado. Quando conseguimos colocá-lo em pé, eu cuidei da produção e da edição da primeira temporada. Hoje em dia, o Prato Cheio já está indo para a 3ª temporada e recentemente foi selecionado pelo Google Podcast Creator Program.

1. Ouça honestamente

Ter um bom repertório de podcasts vai te ajudar durante toda a jornada de colocar uma ideia em pé. No começo, foque em programas que tenham algo em comum com aquele que você quer fazer: formato, tema ou público alvo. Faça uma pequena lista e selecione alguns episódios para ouvir. E ouça honestamente. Até podcasts com defeitos tem muito a nos ensinar.

Aqui vai um exemplo de uma análise que fizemos durante o nosso processo para o Prato Cheio:

Bite

O Bite é um podcast do Motherjones e existe desde 2016. Desde então, eles já colocaram 90 episódios no ar. Seguindo a mesma linha do Food Chain, eles falam sobre os “bastidores” da comida. O lema do programa é “para pessoas que pensam muito sobre aquilo que comem”. Três apresentadores (duas mulheres e um homem) se revezam na narração. 

Pontos fortes: A edição é bem feita. Os assuntos são tratados de maneira aprofundada em um tempo curto. Os nomes dos episódios são chamativos, então dá vontade de ouvir. 

Bônus de ponto forte: recentemente eles lançaram um episódio sobre mudança climática e entrevistaram fazendeiros para saber como a vida deles mudou com os eventos extremos, como inundações e longos períodos de seca. Bem legal.

Pontos fracos: Ouvi um episódio em que eles entrevistaram o Michael Pollan e achei bem monótono. Falar com uma única pessoa durante 20 minutos, ainda que seja o Pollan, não funcionou bem.

No processo de idealização do Prato Cheio, escutei muitos podcasts sobre nutrição. Alguns deles eram muito cuidadosos com a informação que passavam, mas eram muito técnicos. Outros contrariavam consensos científicos, mas apareciam entre os mais ouvidos.

Tratar as informações científicas com cuidado não seria um problema, por conta do trabalho que o Joio já fazia há alguns anos. Mas como ter uma boa audiência? 

Um dos podcasts com informações falsas que eu ouvi tinha um apresentador carismático e várias pitadas de ironia. Eu fiquei com a impressão de que como alimentação é um assunto com o qual as pessoas lidam diariamente, elas gostam de sentir que já sabem algo quando consomem algum conteúdo sobre isso. E a ironia entregava a elas essa sensação. Jornalistas costumam evitar ironias com medo de serem mal interpretados. Ao fazer essa escolha em quase todos os episódios, o apresentador parecia dizer ao ouvinte “eu sei que você sabe do que eu estou falando”. 

E vários roteiros do Prato Cheio têm ironia, piadas e trocadilhos. Esses elementos trazem uma leveza para um tema que é afetivo e, ao mesmo tempo, cheio de informações técnicas que precisam ser explicadas corretamente. 

Mas, é claro, você não precisa ter como referência apenas os podcasts que tem algo em comum com o que você quer criar. Pense sobre o que você gosta de escutar e tente explicar o por quê você gosta daquilo. E “porque sim” não é resposta. Faça uma lista (eu gosto de listas, como você deve ter notado) de pontos fortes e fracos dos seus programas preferidos. Preste atenção nos recursos narrativos que são usados, como é feita a narração e como as informações são encadeadas. Quando o seu projeto estiver mais encaminhado, essas coisas vão ser muito úteis.

2. Faça rascunhos

Agora que você já sabe quem já ocupa o nicho de podcasts que você quer conquistar, faça rascunhos daquilo que o seu programa poderia ser para se destacar. Eu comecei o projeto do Prato Cheio tentando preencher as seguintes lacunas:

Qual é o nome?

Mesmo que o nome mude no futuro, é bom saber como chamar aquela coisa que, por enquanto, só existe na sua cabeça.

Pitch de elevador.

Fiz um curso online do Alex Blumberg, o criador da Gimlet, e ele falou muito sobre a importância de conseguir apresentar o programa de forma resumida, principalmente se você precisar convencer outras pessoas que sua ideia é boa. 

A primeira frase que eu criei pro Prato Cheio foi “um podcast sobre aquilo que está por trás do que você come”. Ela foi repensada junto com a equipe e hoje em dia nos tocadores você irá encontrar a frase “Podcast de O Joio e O Trigo sobre alimentação”. Como o trabalho do Joio no campo da alimentação é muito conhecido, fazia mais sentido dar destaque a isso logo de cara.

Outros exemplos: Serial, uma história contada semana a semana. Praia dos ossos, um podcast sobre uma mulher, a morte dela e tudo que veio depois. História Preta, memórias históricas da população negra no Brasil e no Mundo.

Quanto tempo vai durar?

Escolhemos fazer episódios entre 20 e 30 minutos. A partir desse limite fica mais fácil pensar entrevistas e roteiro.

Qual é o seu público alvo?

Tenha um nicho em mente. Pense em um grupo de pessoas ideal que você gostaria de atingir. O objetivo do Prato Cheio, por exemplo, era ser um meio do Joio levar a cobertura sobre alimentação mais longe do que ela ia até aquele momento. Nós queríamos falar com quem se interessa por alimentação, mas não domina completamente o tema. Ao mesmo tempo, uma parte do público seria especializado, composto por nutricionistas, por exemplo. Ter isso claro foi essencial para definir os episódios e planejar roteiros.  

Vai ser contínuo ou seriado?

Considere a possibilidade de fazer uma temporada ao invés de se lançar num projeto sem hora pra acabar. Produzir uma quantidade limitada de episódios e tirar um tempo para respirar vai ser importante para que você possa avaliar o que funcionou ou não no seu programa.

Quais serão os cinco primeiros episódios?

Selecione os possíveis assuntos ou pedaços de uma narrativa que irão aparecer no primeiro episódio. Caso seja necessário entrevistar alguém ou captar algum áudio específico, por exemplo, você já pode começar a planejar a produção. 

Com todas esses espaços preenchidos, você vai conseguir criar uma breve apresentação do seu projeto, o que vai te ajudar no processo de colher opiniões sobre a sua ideia para fazer novos rascunhos.

E não fuja das opiniões negativas. Vá atrás delas. Tentar conquistar ouvintes improváveis vai te forçar a pensar de jeitos diferentes.

3. Faça um teaser ou um episódio piloto

Por enquanto, o seu podcast são só letras num papel ou numa tela. É hora de transformá-lo em um som. Produzir um teaser curto ou um piloto um pouco mais longo vai fazer com que você treine as habilidades e lide com as questões técnicas que vão te acompanhar durante todo o projeto: roteirizar, produzir, gravar a narração, editar, sonorizar e divulgar. 

Esse material também pode servir para que você apresente o projeto para outras pessoas, não mais como uma ideia abstrata, mas como algo concreto e com uma identidade própria.


Pronto. Agora sua ideia é um podcast. Mostre o seu piloto (ou teaser) para potenciais ouvintes e recolha avaliações que podem te ajudar a melhorar o seu projeto antes de colocá-lo no ar para valer. Pode parecer um processo demorado e um pouco cansativo, mas, no final, o resultado vai ser bem melhor.