Caminhos e dicas para fugir do óbvio no desenho de som

Caminhos e dicas para fugir do óbvio no desenho de som

Ideias que vão do básico ao maximalismo

É no desenho de som que a gente começa a ter aquele gostinho do produto final. Para mim, brincar com diferentes camadas e combinações de áudios, efeitos sonoros e música é uma das partes mais divertidas da edição do 37 Graus, podcast que produzo com a Bia Guimarães. Eu adoro a sensação de satisfação que me inunda quando consigo posicionar a música de um jeito que casa perfeitamente com a narração, ou quando, depois de certa experimentação, chego na mistura ideal de componentes de uma paisagem sonora. 

Mas eu também sei que essa pode ser uma área um pouco confusa da produção de podcasts. Afinal, qual a estética que você está buscando? É um caso de “menos é mais”? Ou de “mais é mais”? Os efeitos estão dinâmicos? Ou estão começando a ficar irritantes? Às vezes é difícil decidir o melhor caminho. 

Uma coisa que com certeza nos ajuda bastante a chegar nessas respostas é ter um bom repertório de escuta ativa de podcasts e, por que não, de outras mídias também. E por escuta ativa quero dizer ouvir prestando atenção nos detalhes, na montagem. Como os elementos do desenho de som estão sendo utilizados? Porque essa música entrou quando entrou? É fundamental ter referências e fazer engenharia reversa para entender o que exatamente te atrai nos seus podcasts favoritos. 

A verdade é que não há respostas fáceis (ou universais) quando se trata de desenho de som. Mas isso não quer dizer que não podemos recorrer a algumas convenções e inspirações para nos ajudar.

Radiolab

Não dá para falar de desenho de som sem falar de Radiolab. O podcast norte-americano usa um desenho muitas vezes maximalista, com várias camadas e vozes se entrelaçando para contar a mesma história. O programa usa e abusa (com muito sucesso) de edições criativas, músicas e paisagens customizadas que apoiam as narrativas complexas do podcast. O processo todo é ajudado pelo fato de que Jad Abumrad, um dos criadores do programa, teve uma educação formal em música.

De eso no se habla

O silêncio também pode ser um personagem. E quase sempre é uma parte fundamental (apesar de às vezes ser subestimada) do desenho de som. Um podcast que definitivamente não subestima os silêncios é o espanhol De eso no se habla, com histórias que unem os pontos entre os silêncios pessoais e os silêncios coletivos. Outro exemplo de podcast que tem pausas e momentos de reflexão marcantes é o Faxina, que conta histórias de imigrantes que foram varridas para debaixo do tapete.

Rabbit Hole

Esse podcast no New York Times dá uma verdadeira aula de como fazer montagens dinâmicas com áudios de arquivo. O episódio abaixo dá um mergulho pelo histórico do Youtube de um de seus personagens, e o desenho de som consegue recriar a sensação frenética de cair num buraco negro da internet.

Unexplainable

À primeira vista, não há nada demais no desenho de som do Unexplainable, da Vox, um podcast de ciência sobre o desconhecido. Mas em alguns episódios a estrutura relativamente simples do podcast dá lugar a brincadeiras divertidas com áudio, mostrando que é possível usar a criatividade para incluir pitadas maximalistas em meio ao minimalismo.

Ser sonoro

O programa investiga as origens da música, desde os primórdios da humanidade. Nele, as paisagens sonoras criam um palco para as cenas e imagens que são cuidadosamente pintadas pela narração.  

vinte mil léguas

O podcast de ciência e literatura da Livraria Megafauna usa músicas e efeitos para criar sensações. Não são efeitos óbvios, e sim combinações de sons mais abstratas, que se juntam às palavras para colorir as cenas descritas. 

data_lábia

O data_lábia conta histórias que se ligam ao cotidiano da favela da Maré, no Rio de Janeiro. O programa usa elementos sonoros e músicas que populam seu universo para criar um desenho de som cheio de energia.

Snap Judgement

Contrariando convenções do podcast narrativo, muitos episódios do Snap Judgement são produzidos com wall-to-wall sound design. Ou seja, um desenho de som que deixa poucos silêncios, enchendo praticamente cada minuto do podcast com músicas e paisagens sonoras. Esse é um estilo bem difícil de fazer funcionar, já que pode facilmente se tornar repetitivo ou até cansativo. Por isso, o Snap conta com profissionais da música e da edição de som que criam trilhas customizadas e planejam cada minuto do programa.

Pistoleiros 

Às vezes o básico bem feito é tudo que é necessário para contar uma boa história. Pistoleiros conta com uma locução bem captada, trilhas que casam bem com a narrativa, áudios gravados in loco e espaços para a fala respirar. É uma receita de sucesso para muitos podcasts narrativos. O desenho de som está lá para deixar a narração e as entrevistas brilharem, e, de maneira (muitas vezes) sutil, dar ritmo e marcar viradas e pontos importantes na história. Outros exemplos de ótimos podcasts que colocam a história em primeiro plano e usam um desenho de som mais minimalista são República das Milícias, Heavyweight, Reply All e Radio Ambulante.

37 Graus

No 37 Graus sempre tentamos inovar quando o assunto é desenho de som. No trailer da última temporada “Na esquina da realidade”, soltamos as rédeas para brincar com o surrealismo e os limites entre o fato e a ficção. 

Esse fio no Twitter da Bia Guimarães resume algumas coisas que aprontamos na última temporada.

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Para finalizar, algumas dicas que você pode seguir (ou escolher quebrar):

Cuidado com o óbvio

Não é necessário colocar um efeito para o que você já está descrevendo na fala. Uma paisagem sonora não precisa ser realista, ela pode ser mais abstrata (ou até surrealista), buscando sons não-óbvios que ajudem a construir as sensações presentes na cena. Por exemplo, você poderia usar o “peso” de um som de fundo do mar para criar tensão ou ajudar a construir um cenário mais sombrio.  

Camadas, camadas, camadas

Muitas vezes um efeito sozinho não fica legal, fica com cara de solto ou mal acabado. Mas o mesmo efeito pode ficar fantástico se você adicionar algumas camadas: sons de base, alguns detalhes, talvez uma música ou tom musical. De repente o conjunto todo funciona e se torna mais do que a soma das suas partes.

O que esse efeito tá fazendo aí? 

Ele tem alguma função narrativa ou você só encafifou com ele?

Repetições podem ser boas ou ruins

Usar repetições de falas, músicas ou elementos sonoros pode ser uma ferramenta narrativa interessante. Por outro lado, um mesmo efeito usado muitas vezes num mesmo episódio pode ficar cansativo.

Deixe a história respirar

Nem só de som é feito o desenho de som! Pense nos momentos de silêncio. De fala crua. Ou pense em como usar músicas e paisagens para dar espaços de reflexão para o ouvinte, para que a pessoa consiga absorver a história.

Pense em como um elemento entra e em como ele sai

Essa música vai entrar devagar e ir crescendo? Vai ter um final forte e marcado? Ou vai se misturar gradativamente com um áudio de arquivo conforme desaparece no fundo? Preciso de um efeito ou de uma outra camada no fundo para costurar esses dois áudios bem diferentes? Essas decisões são importantes para refinar os elementos do seu desenho de som.

Para quem quiser ainda mais dicas, uma edição recente da newsletter Narrative Beat, da produtora de áudio e consultora de podcasts Karen Given, também tratou do assunto. 

P.S.: a pintura que ilustra esse artigo é ‘O Tapete Voador’ de Viktor Vasnetsov.