O Caso Evandro: sete curiosidades sobre a adaptação do podcast para a TV

O Caso Evandro: sete curiosidades sobre a adaptação do podcast para a TV

Para quem já viu e/ou assistiu (contém spoilers)

Se você esteve fora da Terra nos últimos tempos e não sabe o que é o Caso Evandro, aqui vai uma breve explicação (mas a lista de curiosidades abaixo contém spoilers, por isso recomendo que você já tenha assistido a série e/ou escutado o podcast):

Em abril de 1992, Evandro Ramos Caetano, um menino de seis anos, desaparece na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná. Alguns dias depois, o corpo do garoto é encontrado e surge a suspeita de que ele teria sido sacrificado em um ritual satânico. Em julho do mesmo ano, sete pessoas vão presas e confessam o assassinato e o ritual, mas esse era só o começo da tumultuosa e surpreendente trajetória política e judiciária do caso.

O Caso Evandro foi o tema da quarta temporada do podcast Projeto Humanos, criado e apresentado por Ivan Mizanzuk. A história foi contada ao longo de 36 episódios, lançados entre outubro de 2018 e novembro de 2020, com uma pausa de oito meses entre os capítulos 24 e 25 (mais sobre isso abaixo).

Em maio de 2021, a temporada ganhou uma adaptação para a TV, produzida pela Glaz e exibida pela Globoplay, com direção do casal Aly Muritiba e Michelle Chevrand. A série tem sete episódios, além de um bônus sobre o caso Leandro Bossi, outro menino desaparecido na mesma época em Guaratuba. É a primeira adaptação desse tipo – do fone de ouvido para as telas – realizada no Brasil.

Conversamos com a co-diretora Michelle Chevrand e reunimos seis curiosidades sobre os bastidores da produção.

1. A adaptação para a TV já estava planejada desde o começo

“A Mayra Lucas, que é a CEO da Glaz, é fanática por true crime. Ela ouve todos os podcasts, assiste todas as séries, enfim, ela acompanha muito esse mundo. Quando ela soube que o Ivan estava produzindo o podcast sobre o Caso Evandro, ela já comprou os direitos, mesmo antes de ele lançar.”

2. A série se baseou nos primeiros 24 episódios do podcast (aí veio a surpresa das fitas)

“A gente escreveu os roteiros da série acompanhando até o episódio 24 do podcast, e esses roteiros foram e voltaram dos ajustes umas oito vezes. Quando estávamos na fase de aprovação final, lá por outubro de 2019, chegaram as fitas [Ivan recebeu um conjunto de fitas cassete incluindo materiais inéditos com evidências de que alguns dos acusados pelo crime fizeram suas confissões sob tortura].

O diretor Aly Muritiba apresentando as fitas a Paulo Sérgio Markowicz, promotor do Ministério Público do Paraná (crédito: Michelle Chevrand)

Falamos para o Ivan: ‘calma, não lança isso ainda no podcast, não faz nada, porque queremos usar essas fitas na série’. Combinamos que ele iria segurar o episódio 25 até dia 10 de março [de 2020], porque a gente queria levar as pessoas para o estúdio [parte dos acusados, o advogado de defesa e o promotor do Ministério Público do Paraná], botar as fitas e gravar a reação delas. ‘Assim que a gente terminar de gravar com todo mundo, você lança o episódio do podcast’.

O Ivan estava muito ansioso, querendo lançar logo, mas a Beatriz Abagge [uma das acusadas], por exemplo, escuta o podcast. Se ela ouvisse as fitas antes, não ia ter o mesmo impacto. A gente precisava que eles ouvissem pela primeira vez. E dava muito medo de dar errado, de flopar, de na hora a reação deles ser blasé. Mas deu certo.”

3. Por sorte, as gravações terminaram poucos dias antes da pandemia

“Foram oito meses de sala de roteiro, com o Ivan contando toda a história e os roteiros ficando prontos; um mês e meio de pré-produção; e seis semanas de filmagem, contando as partes de ambientação em Guaratuba (como as cenas recriadas com atores) e as entrevistas. Aí voltamos para fazer a parte das fitas no estúdio, em Curitiba, e acabamos as filmagens em 10 de março do ano passado. Lembro do Aly, na viagem, comentando sobre a situação da covid na China. Poucos dias depois, já começou o isolamento no Brasil. Foi o tempo exato.”

4. O podcast ajudou a série de TV a ganhar a confiança dos entrevistados

“Quando gravamos, muitos dos entrevistados já conheciam o Ivan, como o Basto [Antonio Augusto Figueiredo Basto, advogado de defesa], o José Maria [José Maria de Paula Correia, delegado geral da Polícia Civil do Paraná em 1992], o Kepes Noronha [João Ricardo Kepes Noronha, delegado da Polícia Civil responsável pelo Caso Evandro], entre outros.

Algumas pessoas a gente teve que convencer. As Abagge [Celina e Beatriz Abagge, acusadas], por exemplo, nós tivemos que conversar com elas pessoalmente antes de marcar. Também o Davi [Davi dos Santos Soares, acusado] e o Bardelli [Airton Bardelli, acusado]. Eu acho que nos favoreceu muito o fato do Ivan já conhecer as pessoas e o trabalho dele ser bem feito e reconhecido. São pessoas que confiam nele porque, de certa maneira, foi alguém que trouxe um senso de justiça, que mostrou as falhas do caso.

Ivan Mizanzuk, criador e apresentador do podcast Projeto Humanos, em entrevista para a série de TV (crédito: Michelle Chevrand)

O Ivan estava com a gente na gravação de algumas entrevistas e foi até engraçado, porque mesmo para os entrevistados ele é uma referência no caso. O Basto às vezes virava e falava ‘Ivan, que dia foi feita a coleta do material tal?’, e o Ivan sabia responder. Eu brinco que ele é a enciclopedia viva do Caso Evandro.”

5. Mas nem todo mundo gostou desse envolvimento

“Quase conseguimos o Diógenes [Diógenes Caetano dos Santos Filho, primo de Evandro, ex-policial civil e peça-chave nas investigações]. Eu mandei um e-mail e ele respondeu falando que topava. Aí mudou de ideia uns dias depois, falando que não queria dar entrevista para a ‘Globolixo’. Então o Aly ligou para ele e ficou horas no telefone. Ele falava ‘a imprensa arruinou toda a investigação que eu fiz, o Ivan acabou com todas as apurações que eu fiz, o Ivan defende as Abagge’. E aí desistiu mesmo, não tinha jeito. Ou seja, ele deu entrevista para o Ivan, no podcast, e não deu para a gente. Isso foi doído, porque a gente queria muito falar com o Diógenes.”

6. A ideia era focar no necessário, somente o necessário

“Foram meses do Ivan contando a história para a gente, dos roteiristas lendo tudo sobre o assunto, para depois conseguirmos sintetizar em oito episódios. Desde o começo a gente sabia que a série não teria tanto tempo para explicar o caso quanto o podcast. E eu e o Aly ficávamos falando ‘gente, vamos focar em tais e tais assuntos, não vamos entrar neste ponto específico porque é um desvio’. Tem coisas que o Ivan detalha no podcast e que a gente achava que não eram necessárias para a compreensão da história.

Por exemplo, tem aquela gravação das Abagge na delegacia, que elas dizem que foi feita à tarde enquanto a acusação diz que foi de manhã. O Ivan fica um bom tempo explorando isso no podcast. Ele analisa a luz que está batendo na janela, ele vai no lugar, aí ele vê que a construção mudou e que a luz entra diferente, aí ele liga para um especialista… A gente fez a escolha de apresentar os pontos da história, mas de não ficar confabulando teorias. Inclusive, eu acho que o podcast é muito interessante por ter a oportunidade de fazer isso, de explorar cada coisinha. E assim todo mundo se sente um pouco investigador.”

7. As imagens ajudaram a sintetizar a história

“Tem coisa que é naturalmente mais rápida de falar na série de TV do que no podcast. Enquanto no podcast o Ivan é quem vai contando, na série de TV, as próprias pessoas envolvidas no caso vão falando. E no áudio, quando você entrevista alguém, você tem que apresentar a pessoa. E cada vez que essa mesma pessoa aparece, você tem que reapresentá-la ou relembrar de quem é aquela voz. Na série de TV, você bota lá a cara da pessoa e o público já sabe quem é. Outro ponto é que você tem os arquivos em vídeo. Uma coisa é o Ivan falar ‘houve um apredejamento na cidade, quebraram a casa do prefeito’, e outra coisa é você ver uma mulher jogando uma pedra. Isso tudo ajudou a sintetizar 25 episódios em 8.

Gravação de uma das ambientações criadas para contar a história de Evandro (crédito: Michelle Chevrand)

Por outro lado, a gente sentiu necessidade de mostrar algumas coisas que não existem em material de arquivo e de criar, com imagens, um clima de tensão, de mistério. Por isso a escolha de fazer as ambientações – prefiro chamar de ambientação do que de dramatização, porque é mais para criar um clima do que para refazer as cenas –, como o policial andando de carro em Guaratuba, o momento em que eles vão lá deixar as oferendas, a cena dos acusados entrando para um suposto ritual. A gente pensou assim: ‘precisamos dar a entender que eles vão realizar o ritual, mas não vamos mostrar’. Desde o começo a gente tomou a decisão de não ter aquela coisa de documentário do Discovery, das pessoas atuando com diálogos, que geralmente é muito mal feita. Filmamos bastante de costas, sem deixar a coisa muito explícita. Era mais para fazer as pessoas entenderem o que está rolando.”